HEROÍNA DOS ÚLTIMOS DIAS DO CAPITALOCENO

Segue o primeiro de dois textos  sobre Alexandra Elbakyan traduzidos pelas macacas senis nas atividades de terapia ocupacional nesses dias pandêmicos. Como de costume, é uma tradução puerca e quem não gostar, que faça uma melhor. Mas transmite o essencial: a gênia Alexandra é uma heroína de nosso tempo, um raio de sol nesses dias tenebrosos. ⚸

A Robin Hood da ciência nascida no Cazaquistão.

Por Maria Galuchko, de Almati para o Экспресс К em 04 de junho de 2020

Nascida no Cazaquistão e criadora do site Sci-Hub, Alexandra Elbakyan crackeia bancos de dados científicos com acesso pago a trabalhos de pesquisa e disponibiliza gratuitamente esses dados na rede. Essa Robin Hood da ciência liberou acesso massivo a milhões de artigos, acreditando que o conhecimento deve ser distribuído gratuitamente. Em uma entrevista com uma correspondente da EK, Alexandra falou sobre o projeto, bem como suas opiniões sobre a ciência e vida.

Alexandra, quando você percebeu que desejava conectar sua vida à tecnologia da informação?

Na primeira ou segunda série, fomos convidadas a escrever uma redação sobre o tema “O que eu quero ser quando crescer”. Como minha mãe é programadora, o computador estava em casa desde a infância. Não que eu sonhasse em ser programadora, mas apenas pensei que essa provavelmente era uma boa profissão. Portanto, na redação escrevi que eu também me tornaria uma.

Eu li que você era hacker quando adolescente. Como esse período de sua biografia está relacionado à escolha de carreira?

Na época surgiu a popular revista Hacker, onde escreviam sobre hacks e a vida dos hackers, e eu também decidi me tornar uma hacker.

Você passou a infância e a juventude no Cazaquistão. Você tinha alguma intenção de se envolver no desenvolvimento da ciência do país?

Nos últimos anos da universidade, comecei a sonhar em fazer ciência. Mas esses planos não estavam relacionados com um determinado país. Eu queria ir para a universidade nos EUA e me formar em um programa de pós-graduação. Para obter uma recomendação de admissão, eu já havia concluído um estágio na Alemanha.

Hoje você é conhecida em todo o mundo como a desenvolvedora do portal Sci-Hub na Internet, que permite aos usuários acessar repositórios on-line de artigos científicos e fazer o download gratuitamente. Até onde eu sei, esse projeto nasceu por acaso. Você escreveu uma tese e enfrentou o problema do acesso pago aos artigos científicos que necessitava …

Sim, foi em 2009. Encontrei uma maneira de obter gratuitamente os artigos. E então pensei que poderia escrever um programa que faria tudo isso automaticamente. Em 2011, acabei implementando o plano.

O que você faria se não tivesse criado o Sci-Hub?

Eu seguiria uma carreira científica. De 2011 a 2020, tentei construir uma. No começo, fiz uma pós-graduação, depois outra. No ano passado, finalmente, me formei. Agora, quero melhorar a ciência enquanto desenvolvo o Sci-Hub, tornando-o ainda maior. As últimas estatísticas mostram mais de 600 mil visitas por dia. Seria ótimo se o número de visitantes aumentasse para vários milhões.

Internautas de quais países usam com mais frequência o seu serviço?

São usuários da China, Índia, Indonésia, América do Sul, Brasil e México. E isso não é surpreendente, porque há uma grande densidade populacional. Os dez primeiros incluem a Rússia e os Estados Unidos.

Qual é a demanda do Cazaquistão no site?

No Cazaquistão também usam o recurso. Mas devido ao fato de o país ter uma baixa densidade populacional, há menos tráfego.

Até que ponto o Sci-Hub ajuda a incentivar as editoras científicas a mudarem para um modelo de acesso aberto à informação?

Dizem que, por causa do Sci-Hub, as editoras científicas estão sendo forçadas a mudar para o acesso aberto. Isso, em princípio, é lógico. Se o artigo estiver disponível gratuitamente no Sci-Hub, por que pagar por ele? E então, se a editora funcionar de acordo com o modelo de acesso fechado, ela perderá dinheiro. Mas nenhuma editora jamais admitirá abertamente que, devido ao Sci-Hub, mudou para um modelo de acesso aberto.

O movimento por acesso aberto a dados científicos vem se desenvolvendo desde os anos 2000, embora no momento em que o Sci-Hub apareceu, em 2011, ele não tivesse muito sucesso.

Há muitas pessoas com a mesma opinião?

Recebo muitos comentários, mas, em geral, são agradecimentos. Mas se você aborda questões mais sérias, como legalização ou revogação das leis de copyright, poucas pessoas se interessam.

Li que no final de 2016 havia 60 milhões de artigos no banco de dados Sci-Hub. Quantos existem hoje? Quão viável é seu objetivo de coletar todos os artigos científicos em seu site?

Agora há cerca de 80 milhões de artigos científicos no Sci-Hub, e seu número está crescendo. Ainda que existam vários milhões de artigos que não estão no banco de dados do site, eles não são particularmente procurados.

Como terminou o processo da Elsevier? Houve ações legais de outras editoras científicas?

A história com Elsevier terminou com a corte americana, por padrão, decidindo a seu favor. Nesse processo, além da Elsevier, a propósito, foram também mencionadas a Association of American Publishers, a American Chemical Society e a Springer Publishing, que, aliás, publica a revista de maior reputação, a Nature.

E em 2016, a revista Nature incluiu você entre as dez pessoas mais influentes da ciência. Como esse evento afetou seu futuro?

Se você avaliar objetivamente o impacto do Sci-Hub na ciência, ele merecia estar na capa desta revista, e não apenas na lista dos 10 mais.

Como você classificaria a contribuição real do projeto para a ciência?

Eu acho que é revolucionário. Esta não é apenas minha opinião, mas também a de muitos outros pesquisadores. Li um artigo em que o Prêmio Nobel falava positivamente sobre o Sci-Hub. Mas foi em um pequeno veículo de mídia que também publicou artigos negativos sobre o projeto. O Sci-Hub é censurado e procuraram manter silêncio sobre isso.

A percepção do Sci-Hub mudou ao longo dos anos?

Parece-me que muitos esperavam e continuam a viver na expectativa de que o projeto morra sozinho e possa ser esquecido com segurança. E o ponto não é que o site ofereça acesso aberto à informação, mas que muitas outras questões desconfortáveis também apareçam. O Sci-Hub levantou a questão de que o copyright impede o desenvolvimento da ciência e do progresso científico. Também surgem dúvidas sobre se uma garota pode ser programadora e muitas outras questões.

No Ocidente há uma busca constante pelos chefes dos piratas da Internet. Você tem sua liberdade de movimento limitada em todo o mundo e é forçada a ocultar seu local de residência. Já pensou em parar a luta pela disseminação do conhecimento científico, principalmente porque o trabalho do site não gera dividendos financeiros?

Não, eu nunca pensei nisso.