Mona Sarfaty no The Guardian de 24 de agosto de 2016.
No início deste mês, um surto de antraz no norte da Rússia causou a morte de um menino de 12 anos e de sua avó e hospitalizou 90 pessoas. Esses esporos mortais – que não eram vistos no Ártico desde 1941 – também se disseminaram entre 2.300 caribus. Tropas russas treinadas para guerra biológica foram enviadas para a região de Yamalo-Nenets para evacuar centenas de indígenas nômades e colocar a doença sob quarentena.
Os americanos também costumam associar o antraz com o misterioso pó branco enviado à imprensa e aos escritórios do Senado dos Estados Unidos nas semanas seguintes ao 11 de setembro de 2001. A bactéria – geralmente isolada em laboratórios de armas químicas – matou cinco pessoas e infectou outras 17 no mais devastador ataque de bioterrorismo da história dos EUA.
Mas na Rússia, a propagação da doença não foi resultado de bioterrorismo, mas do aquecimento global. Altas temperaturas recordes derreteram a camada ártica de gelo permanente e liberou esporos mortais de antraz da carcaça de um caribu infectado há 75 anos, que havia ficado congelada no limbo até agora. Tudo isso sugere que pode não ser fácil prever quais populações estarão mais vulneráveis aos impactos na saúde causados pela mudança climática.
Em 2013, a Academia Nacional de Ciências organizou um fórum sobre a influência das mudanças ambientais globais nas doenças infecciosas. Em seu discurso de abertura, o dr. Jonathan Patz se colocou diante de um grande slide de um mosquito e advertiu: “a maior ameaça do aquecimento global também pode ser a menor”. O fórum enfocou diversas causas de doenças, de fungos, bactérias, vírus e esporos de mofo, a vetores como morcegos e mosquitos. As alterações climáticas podem agravar a propagação de doenças infecciosas, alterando o comportamento, a expectativa de vida e regiões das doenças e seus portadores.
Às vezes pode ser difícil a comprovação direta. Pode ser um desafio, por exemplo, isolar os caminhos pelos quais a mudança climática conduz as infecções emergentes em climas quentes, onde as viagens, o comércio, o uso da terra e a densidade da vida urbana podem levar a disseminação das doenças. Em outras ocasiões, os sinais são evidentes. Olhando para o norte, no Ártico – onde há muito menos pessoas, menos viagens e comércio, e menos doenças infecciosas – os sinais de que a mudança climática é uma fonte de surtos de doenças são claros.
Geralmente, a tundra é tão fria que o solo se congela de forma permanente em camadas profundas que podem datar de 3 milhões de anos. Mas as circunstâncias normais já não se aplicam ao topo do mundo. O Ártico está se aquecendo duas vezes mais rápido que o resto do globo. Na verdade, a área do surto de antraz teve 10°C a mais que a média, com temperaturas atingindo os 35°C. Além de libertar micróbios antigos, a fusão da camada de gelo permanente também libera metano, um gás com efeito estufa 30 vezes mais potente que o dióxido de carbono, o que por sua vez provoca um aquecimento adicional.
Não são apenas as carcaças de animais que estão descongelando. Os grupos indígenas que vivem na tundra não enterram seus mortos, optando por caixões de madeira dispostos em cemitérios acima do solo, o que também aumenta o potencial de infecção.
Poderiam algumas das doenças infecciosas que ameaçaram o planeta no passado ser reativadas conforme nossas regiões mais setentrionais descongelam? Não são apenas os cientistas do clima que estão preocupados com as ameaças à saúde de um mundo em aquecimento. Especialistas em saúde pública e médicos também estão se manifestando. A Comissão Lancet publicou um relatório em 2015 afirmando que a mudança climática poderia reverter os últimos 50 anos de avanços na saúde pública.
Enquanto os riscos só aumentam, os sinais da mudança climática ressaltam a necessidade urgente de soluções para essas alterações. Ainda mais do que sabemos, nossa saúde depende disso.
★★★
Essa do metano das calotas muda totalmente as estimativas de aquecimento global divulgadas nos principais jornais. A projeção de até 5 ou 6 graus não levou em conta a liberação maciça de metano e dá a falsa impressão que está tudo bem. Quem trabalha com saúde coletiva e justiça ambiental já prevê o colapso, com a formação de legiões de exilados ambientais. Mas isso é um detalhe paralelo: o foco é reaquecer a economia, ampliando o consumo de bens obsoletos a custas de trabalho escravo, exclusão social e exaustão ambiental.
Reverenda Jiraya, consultora do Hotel