A mão invisível do Império

A. KorybkoHybrid Wars: The Indirect Adaptive Approach to Regime Change

A excelência suprema consiste em quebrar a resistência do inimigo sem luta” – Sun Tzu

Mais de dois mil anos atrás, o antigo estrategista militar chinês Sun Tzu percebeu que a guerra indireta é uma das maneiras mais eficazes de combater o inimigo. Permite que um oponente derrote seu adversário sem se envolver diretamente, economizando assim os recursos que seriam gastos em um confronto direto. Atacar um inimigo indiretamente também pode sobrecarregá-lo e colocá-lo na defensiva, tornando-o vulnerável a outras formas de ataque. Também traz consigo um certo custo de oportunidade para o lado que se defende, uma vez que o tempo e os recursos gastos para lidar com o ataque indireto poderiam ter sido melhor aproveitados em outro lugar. Além das vantagens táticas, também existem as estratégicas. Pode haver certas restrições (por exemplo, alianças, paridade militar, etc.) que impedem uma entidade de lançar hostilidades diretamente contra outra. Neste caso, a guerra indireta é a única opção para desestabilizar o outro.

Nos dias atuais, as armas de destruição em massa e o emergente mundo multipolar colocam limites no confronto direto entre as grande potências. Embora os EUA ainda mantenham as forças armadas convencionais mais fortes do mundo, a paridade nuclear que compartilha com a Rússia serve como lembrete de que a unipolaridade tem seus limites. Além disso, o sistema internacional está se transformando de tal forma que os custos políticos e físicos de travar uma guerra convencional contra certos países (i.e. China, Irã) estão se tornando um peso para os decisores dos EUA, tornando essa opção menos atraente. Sob tais circunstâncias, a guerra indireta adquire um valor elevado no planejamento estratégico e sua aplicação pode assumir uma variedade de formas.

A guerra direta pode ter sido no passado marcada por bombardeios e tanques, mas se o padrão que os EUA aplicaram atualmente na Síria e na Ucrânia indica algo, então a guerra indireta no futuro será marcada por “manifestantes” e insurgentes. A quinta coluna será formada menos por agentes secretos e sabotadores dissimulados e mais por atores não-estatais que se comportarão publicamente como civis. As mídias sociais e tecnologias similares substituirão as munições guiadas com precisão como capacidade de “ataque cirúrgico” da parte agressiva, e as salas de chat e as páginas do Facebook se tornarão a nova “sede dos militantes”. Em vez de confrontar diretamente os alvos em seu território, conflitos por procuração [proxy conflicts] serão travados em sua vizinhança para para desestabilizar seu entorno. Ocupações tradicionais podem dar lugar a golpes e mudanças indiretas de regime que são mais rentáveis e menos politicamente sensíveis.

Hormônios 2

Desde que o Menino Cobaia trouxe ao hotel o tema da contaminação ambiental por xenoestrógenos nós temos pensado bastante sobre essa situação paradoxal em que toneladas de estrógenos são despejadas sorrateiramente sem qualquer controle em nosso entorno, ao mesmo tempo em que a livre experimentação consciente com hormônios em nossos próprios corpos passa por um rígido controle institucional. E é exatamente disso que trata o Open Source Estrogen/ Estrógenos de Código Aberto, um projeto de Mary Maggic, Byron Rich & outres corpes:

A BIO-LENTA E O PARADOXO DA DISRUPÇÃO

Toxidade ambiental e Biopolítica contra a soberania do corpo e de gênero

A BIO-LENTA é o exercício da violência biopolítica contra a capacidade individual de decisão.

O Paradoxo da Disrupção nos recorda como o poder hegemônico silencia a forma pela qual intoxica nossos corpos ao mesmo tempo em que patologiza as identidades dissidentes de gênero.

Partindo disso… vamos esclarecer alguns conceitos.

O que é Biopolítica?

Há diferentes maneiras de definir a biopolítica. De acordo com Foucault, a biopolítica é a maneira pela qual o governo regula a população através do biopoder, isto é, a aplicação e o impacto político do poder em todos os aspectos da vida humana.

O controle da sociedade sobre os indivíduos não se efetiva somente mediante a consciência ou a ideologia, mas também no corpo e com o corpo. Para a sociedade capitalista o que importava acima de tudo era o bio-político, o biológico, o somático, o corporal”. (Foucault)

Para compreender esta forma de dominação, é importante entender dois conceitos principais: Zoé e Bios.

Zoé significa, em grego clássico, simplesmente “vida”.

Bios faz referência à vida política.

Foucault sugere que com a aparição do estado moderno, a zoé foi incluída na bios, com a intenção de controlá-la.

No entanto, Giorgio Agamben (Roma, 1942) repensa a biopolítica foucaultiana. Podemos encontrar duas importantes diferenças entre Agamben e Foucault:

1. O biopoder se apropria da zoé dxs cidadã/os para sua manipulação política desde o início da hegemonia ocidental, na polis grega.

2. O poder político cria uma coincidência conceitual entre Zoé e Bios. Este ponto é importante porque coloca que a “simples vida” foi considerada fora da lei. Mas com a absorção desse espaço, zona autônoma e fora da lei, pela Bios, o poder político estende sua ação sobre o exercício da vida dos seres vivos.

Podemos tomar estas ou outras definições de biopolítica, mas o ponto é:

O significado conceitual da biopolítica se relaciona com a capacidade do poder hegemônico para controlar os corpos, comportamentos e identidades dxs seres humanxs.

COLONIZAÇÃO MOLECULAR E TOXIDADE AMBIENTAL

A contaminação com xenoestrógenos está interferindo nos estrógenos naturais, o que provoca uma série de disfunções e doenças no sistema hormonal dos seres vivos. Os xenoestrógenos, como o DDT e o DES, foram sintetizados pelas indústrias química e farmacêutica, criados na década de 1930.

Os xenoestrógenos sintetizados quimicamente podem permanecer no meio ambiente por até 100 anos. Além disso, demonstrou-se cientificamente que são transmitidos através de recipientes de plástico (especialmente os de PVC). Essas são as principais causas da contaminação por estrógenos. Os xenoestrógenos são DISRUPTORES HORMONAIS, isto é, geram mudanças na funcionalidade do sistema endócrino.

Graças às teorias de Agamben, é possível entender a contaminação por xenoestrógenos como uma forma de controle biopolítico, porque afeta o equilíbrio hormonal dos seres vivos, incluídos os humanos. E, mais concretamente, a contaminação por estrógenos pode ser considerada uma expressão da “slow violence” ou violência lenta/paulatina.

O que é a violência paulatina [a.k.a BIO-LENTA]?

Segundo Rob Nixon, em seu livro Slow Violence and the Environmentalism of the Poor, a violência lenta é um tipo de violência que tem lugar gradualmente e fora da vista (pública). Não é um tipo de violência espetacular e instantânea, mas uma violência que muitas vezes nem se considera como tal. Em nosso caso, a contaminação por xenoestrógenos se adapta perfeitamente à ideia de violência paulatina porque a opinião pública não atua sobre ela, por falta de informação. A onipresença dos xenoestrógenos é um ato silencioso e progressivo de envenenamento.

Como pudemos ver nos ataques terroristas do 11 de setembro, o tratamento dado à violência pelos meios de comunicação se baseia no espetáculo.

Os meios de comunicação não costumam prestar atenção nas tragédias produzidas pela violência paulatina, como a contaminação por estrógenos.

Um dos objetivos principais do projeto Estrógenos de Código Aberto consiste em oferecer ao público a informação relacionada com a contaminação por estrógenos na água de Madri para envolver a sociedade civil, exigir intervenção política institucional e oferecer uma reflexão sobre a ação corporal subversiva.

Estrógenos de código aberto

Escritorxs, cineastas e ativistas digitais poderiam desempenhar um papel mediador ajudando a se contrapor à invisibilidade estratificada resultante das ameaças insidiosas, procedentes da temporalidade prolongada, e do fato de que as pessoas afetadas são aquelas cuja qualidade de vida – e, com frequência, a própria existência – é indiferente para os grandes meios de comunicação” (Rob Nixon)

Centradas nesta proposta, abordamos uma reconsideração do projeto com a ideia da apreensão.

Primeiro, a apreensão esboça percepção, emoção e ação, por outro lado, nosso projeto inclui a detecção, extração e a síntese de estrógenos. Existe uma relação direta entre estas duas tríades de conceitos, mas existe também um diálogo multidirecional dos seis conceitos. Em segundo lugar, apreendendo algo potencialmente perigoso, como os estrógenos disseminados no ambiente madrilenho, e usando-os como arma criativa e comunicativa, criamos uma subversão artística.

Com a ajuda de tecnologias contemporâneas de baixo custo, convidamos o público a uma mudança na percepção temporal dos processos violentos alteração de Gaia (a Terra é o melhor indicador dos problemas de poluição). Para isso, coletamos amostras de água da cidade de Madri e as analisamos em nosso laboratório biológico caseiro, geolocalizando os resultados. Experimentamos com a detecção e a extração do estrógeno das amostras e liberamos o conhecimento mostrando como construir um laboratório DIY com materiais cotidianos.

O PARADOXO DISRUPTIVO

Disrupção

s.f.

(do latim disrupio, -onis, fractura, ruptura)

Ato ou efeito de romper(-se); dirupção, fratura.

Quebra de um curso normal de um processo.

Criar confusão ou desordem.

Restabelecimento abrupto de energia elétrica que provoca faíscas e enorme consumo da energia acumulada.

Em escoamento de fluidos, formação e acúmulo de turbilhões ao redor de um obstáculo; deflexão.

Enquanto o atual e voraz sistema hegemônico de consumo nos envenena lentamente através da toxidade estrogênica ambiental provocada pelas dinâmicas da alta produtividade industrial e da exploração agrícola, os corpos dissidentes, inclassificáveis nos parâmetros binômicos, são patologizados.

Enquanto a instituição médica, política, psiquiátrica e farmacêutica coloniza nossos corpos, a agroindústria alimentícia os altera com a BIO-LENTA.

Ao mesmo tempo, as pessoas transgênero são tratadas como doentes, submetidas a diagnósticos e à experimentação do poder, a livre experimentação da disrupção hormonal está encriptada.

Tanto a toxidade ambiental como as ações corporais subversivas, estão envolvidas na disrupção hormonal.

Os hormônios sexuais estão dentro de nós e pululam por nosso entorno, afetando nossos corpos.

A coisa é: por que não podemos decidir como queremos expor nossos corpos? A contaminação por xenoestrógenos é ocultada pelo poder porque a regulação e o controle de sua toxidade são controvertidos.

Por outra parte, a normatividade enclausura a possibilidade de hackear nossos corpos para romper o sistema hegemônico e os privilégios do sistema cis-sexista.

Esta situação insana se parece com algo como uma INDÚSTRIA CAPITALISTA FARMACOPORNOGRÁFICA de controle social e reprodutivo.

A contaminação por estrógenos não está controlada nem calibrada por nenhum parâmetro de sustentabilidade ecológica. No entanto, existem consequências sobre o funcionamento de nossos corpos pela exposição prolongada a estes níveis não analisados nem identificados. O silêncio consentido em favor dos interesses econômicos liberais nos afeta.

A ficção do sistema sexo/gênero acompanhado de uma concepção binarista e cis-sexista da sociedade, desnormaliza a soberania do corpo e do gênero, patologizando as identidades trans, inter, queer…

Precisamos nos reapropriar da soberania de nossos corpos, devemos ressignificar e decolonizar os termos e processos, e, finalmente, temos que hackear o controle da instituição através da DESOBEDIÊNCIA CIVIL BIOTÉCNICA.

Como? Queremos desmitificar as objeções em relação à experimentação hormonal. Se conhecemos os níveis de toxidade poderemos proteger nossa soberania. Abriremos o código de nossa experimentação para a intervenção política. Este projeto de biohacking poderia ser um fantástico caminho para a injeção cultural da resistência. [ texto retirado do Estrozine 1.1 – tradução das macacas idosas do Instituto Geriátrico Puerco Suíno]

Open Source Estrogen/Estrógenos de Código Aberto: donas de casa fazendo drogas combina ciência DIY, política de corpo e de gênero, e ética da manipulação hormonal.

O objetivo do projeto é criar um protocolo de código aberto para a biossíntese de estrógeno.

A cozinha é um espaço politicamente carregado prescrito às mulheres como seu ambiente apropriado, o que a torna o contexto exato para se fazer uma receita de síntese de estrógeno.

Com os recentes desenvolvimentos no campo da biologia sintética, a cozinha adaptada em laboratório pode ser uma realidade ubíqua num futuro próximo.

O estrógeno de código aberto poderá permitir a mulheres cis e trans o exercício de um maior controle sobre seus corpos ao prescindir de governos e instituições.

Queremos perguntar: quais são as biopolíticas que governam nossos corpos? E mais importante ainda: é ético autoadministrar-se hormônios autossintetizados?

[Os detalhes sobre a detecção, extração e geolocalização da BIO–LENTA Madrilenha, você encontra AQUI.]

Hormônios

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O Menino Cobaia anda feliz da vida com seu projeto de estação doméstica de tratamento de água. Diz que a água que sai da máquina de lavar roupa, depois de passar pelo tratamento que desenvolveu, foi classificada como água de reuso. Perguntamos se não vai dar pra beber essa água. O Menino Cobaia respondeu:

No projeto finalizado eu não potabilizei. Mas é possível fazer “água de beber” sim. Os parâmetros químico-biológicos do padrão de potabilidade brasileiro são ridículos e é fácil produzir uma água para consumo humano. Você bebe água com paracetamol, rivotril, hormônios femininos e masculinos, e a Sabesp trata como água potável.

Opa! Hormônios? Então quer dizer que poderíamos fazer nossa transição só tomando a água da Sabesp?

O menino cobaia não respondeu essa nossa questão, mas como o mundo virtual é espaço de insondáveis sincronicidades, naquela mesma noite nos deparamos com a entrevista que segue, publicada originalmente no site de uma revista muito interessante chamada Planeta Laboratório. Aí ficamos um pouco por dentro dessa impressionante história dos hormônios na água de beber.

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Xenoestrógenos: uma verdade oculta

Aliens in Green entrevista Chus Martínez no Planeta Laboratório nº 5

Recentemente tive a sorte de sentar para conversar com a Drª Chus Martínez sobre um assunto controvertido e repleto de mitos, os xenoestrógenos (substâncias químicas sintéticas que atuam de forma similar aos estrógenos).

Para quem não está familiarizado com Chus Martínez, farei uma pequena introdução sobre sua vida. Chus Martínez licenciou-se em antropologia e psicologia pela Universidade do País Basco/ Euskal Herriko Unibertsitatea. Em seguida, e depois de sua mudança de sexo (M2F), doutorou-se na especialidade de antropologia médica e nutrição paleolítica nos Estados Unidos, na Universidade de Baltimore; um assunto que pesquisou bastante, escreveu e deu conferências de forma extensa.

Aliens in Green: Vamos começar pelo principal para as pessoas que não estão familiarizadas com o tema. O que são exatamente os xenoestrógenos?

CM: Os xenoestrógenos são substâncias químicas sintéticas que podem entrar em nosso corpo e simular os efeitos do hormônio feminino estrogênio. Os estrógenos naturais atuam com uma molécula maior chamada receptor e, uma vez feito isso, a atividade biológica associada a esse hormônio é ativada. Basicamente, liga-se o interruptor. Os xenoestrógenos se encaixam nos mesmos receptores que os estrógenos e realizam a mesma função que o hormônio natural. Mas, além disso, também podem converter-se em outros receptores – às vezes sinergicamente – fazendo que o efeito do estrógeno ou exoestrógeno seja mais profundo.

AIG: Os xenoestrógenos estão relacionados com os fitoestrógenos de alguma maneira?

CM: Não, podem atuar de forma similar mas os fitoestrógenos são produzidos de forma natural nos alimentos vegetais e os xenoestrógenos são artificiais. Em minha opinião, não há por que preocupar-se com os fitoestrógenos, a menos que você os esteja consumindo de forma muito isolada e abundante. Não creio que apresentem os mesmos riscos para a saúde que os xenoestrógenos. A verdadeira ameaça são os xenoestrógenos. Provavelmente, a diferença mais importante entre os dois é que os xenoestrógenos se acumulam no tecido adiposo de seres humanos e animais, enquanto que os fitoestrógenos se metabolizam e passam relativamente pouco tempo no corpo.

AIG: Qual é a origem dos xenoestrógenos? Como e quando os seres humanos os criaram? Por serem produtos químicos, suponho que alguém teve que sintetizá-los.

CM: Sim, vem de muito tempo atrás. Cientistas britânicos sintetizaram o primeiro xenoestrógeno em 1938. Era conhecido como dietilbestrol, ou DES, para abreviar. Vou mencionar muitas siglas, então peço desculpas se as leitoras e leitores se confundirem. O DES foi considerado uma droga estupenda e ato contínuo foi testado em mulheres que tinham problemas durante a gravidez, acreditando-se que seus níveis de estrógenos eram insuficientes. Produziram abortos e partos prematuros.

É certo que baixos níveis de estrógenos podem causar abortos involuntários durante os três prieiros meses de gravidez, mas agindo assim pecaram por ingenuidade, bobardeando mulheres com altos níveis de hormônios sintéticos sem considerar os efeitos secundários. Foi prescrito em todas as gravidezes, como se fosse uma vitamina ou uma pílula milagrosa que poderia melhorar sua natureza. Mais de cinco milhões de mulheres nos Estados Unidos, Europa e América Latina receberam tratamento com DES.

Casualmente, nesse mesmo ano (1938), na Suíça, um pesquisador descobriu o diclorodifenil tricloroetano (DDT) e se deu conta que funcionava muito bem como inseticida. O DDT é também um xenoestrógeno e foi amplamente usado na agricultura e em programas de saúde pública. Não era mau em si, já que salvou milhões de vidas de pessoas quando demonstrou ser o agente mais eficaz que se conhece para aniquilar as doenças transmitidas por insetos, como a malária.

AIG: Você estava falando da criação do DDT como xenoestrógeno e como foi utilizado como inseticida. O que aconteceu?

CM: Bom, em meados do século XX as pessoas começaram a notar os efeitos negativos desses xenoestrógenos. Por exemplo, em 1947 um ornitólogo no golfo da Flórida, Charles Broley, começou a testemunhar coisas estranhas na população de águias. Obeservou que o número de filhotes começou a diminuir de forma pronunciada e as águias adultas começaram a agir de um modo peculiar. Especificamente, os machos simplesmente não tinham interesse em procriar.

Descobriu-se em anos posteriores que 80% das águias de cabeça branca da Flórida eram estéreis. Os pesquisadores descobriram mais tarde que o problema era o DDE, um subproduto estrogênico do DDT.

As notícias sobre os efeitos estrogênicos nestes inseticidas continuaram aparecendo e em 1980 a Chemical Company Tower de Orlando teve um acidente ao pulverizar uma grande quantidade de DDE em um córrego próximo. O córrego desembocava no lago Apopka. Pouco depois uma equipe científica foi chamada para pesquisar a diminuição da população de crocodilos. Encontraram muito mais do que o esperado. Um pesquisador descreveu que estavam presenciando uma reversão sexual. Descobriu-se que pelo menos 25% de todos os crocodilos machos tinham um pênis deformado, a maioria de tamanho reduzido.

Vinte e cinco anos mais tarde, 75% dos ovos encontrados no lago estavam mortos ou eram inférteis. Esta é uma evidência bastante convincente de que há um forte componente estrogênico associado a este inseticida. Os machos que sobreviveram foram desmasculinizados. Basicamente, seu sistema endócrino começou a produzir estrogênio em lugar de testosterona. Para piorar as coisas ainda mais, os crocodilos não foram os únicos animais afetados. Os pesquisadores descobriram que 20% de todos os animais do lago Apopka tinha algum tipo de condição intersexual.

É bastante aterrador, porque tudo o que vemos na vida silvestre tem uma implicação nos humanos. Estes produtos químicos podem permanecer durante anos e anos no ambiente, alguns têm uma vida média de 25 a 100 anos. Assim que, inclusive se reduzimos o uso destes inseticidas nos últimos anos, seus resíduos ainda estão no entorno.

Em 1992, uma equipe de epecialistas em reprodução da Universidade de Copenhague surpreendeu o mundo com o anúncio, publicado no British Medical Journal, de que o número de espermatozóides havia diminuído em 50% nos países industrializados desde 1938. Foi uma grande notícia já que as pessoas começaram a se preocupar com os xenoestrógenos como causa potencial.

É algo com o que se preocupar. Chegou-se à conclusão, sem sombra de dúvida, de que a causa disso é o DDT? Não, mas é algo a se levar em conta.

AIG: Parece que há uma quantidade significativa de dados ambientais sobre os efeitos dos xenoestrógenos em animais, mas existem dados de laboratório sobre os efeitos dos xenoestrógenos sobre animais ou mesmo seres humanos?

CM: As experiências com animais são abundantes mas, por razões éticas, os cientistas não podem fazer experiências com seres humanos como com os ratos. Há, no entanto, vários estudos que mostram uma correlação entre os xenoestrógenos e diversos problemas de saúde.

Há muitas pesquisas que mostram os efeitos negativos dos xenoestrógenos em animais. Por exemplo, em camundongos. Realizou-se um estudo em que se administrava DES a camundongas grávidas durante apenas 2 dias, produzindo várias mudanças importantes na descendência masculina. Os camundongos recém-nascidos eram hermafroditas.

Havia uma feminização dos machos que era produzida precocemente na vida fetal quando se expunha o sistema reprodutor masculino e feminino a xenoestrógenos. A nível molecular, os machos produziam proteínas femininas em seu trato reprodutivo durante toda sua vida. Além disso, os camundongos mais velhos desenvolveram uma doença prostática. Estes foram alguns dos primeiros resultados extensíveis às pessoas, pelo fato de que são alteradores endócrinos definidos.

E a transferência para ser humano? Uma vez mais, não há estudos causais. As pessoas não se oferecem de forma voluntária para que lhe administrem estrógenos, ainda que depois doem seu corpo à ciência para que dissequem seus ovários ou testículo, ou algo assim.

Houve um montão de estudos evidenciando uma correlação entre produtos químicos no meio ambiente e os efeitos que têm sobre as pessoas de baixo nível econômico que estão expostas a eles. O mais antigo que eu recordo é o que mostra mulheres da Guatemala que se encontravam na puberdade aos 3-4 anos de idade. Acredita-se que foi devido à exposição a toneladas de xenoestrógenos.

AIG: Você mencionou uma contagem menor de espermatozóides. Quais são os principais efeitos negativos dos xenoestrógenos nos homens?

CM: O câncer seria o pior dos efeitos. Os homens são particularmente suscetíveis ao câncer quando estão expostos a altas doses de estrógenos; estrógenos de qualquer tipo, incluindo os xenoestrógenos. Ainda que seja menos aterrador, também podem ter efeitos prejudiciais sobre a composição corporal.

AIG: Falando dos altos níveis de estrógenos, dado que as mulheres já têm níveis mais altos de estrógenos, qual o impacto dos xenoestrógenos nas mulheres?

CM: Relacionaram os xenoestrógenos com o câncer de mama. Para as mulheres, como para os homens, o câncer é o pior dos males. A evidência é bastante convincente, sobretudo se nos fixamos nas maiores taxas de câncer de mama nos últimos decênios. A probabilidade de que uma mulher na América do Norte contraia câncer de mama aumentou de uma entre vinte em 1950 à taxa atual de uma entre oito. A cada ano 182.000 mulheres estadunidenses são diagnosticadas com câncer de mama e 46.000 mulheres morrem desta doença.

Basicamente, a exposição a estrógenos é reconhecida pela American Cancer Society como um fator de risco para o câncer de mama. Foram levados a cabo vários estudos. Vou mencionar um deles. Em 1990, um estudo da Escola de Medicina Hadassah da Universidade Hebraica mostrou que, na década entre 1976 e 1986, Israel foi o único entre os 28 países pesquisados no qual se havia verdadeiramente registrado um decréscimo significativo da mortalidade por câncer de mama. O que finalmente explicou esta diminuição da mortalidade por câncer de mama em 1978 foi a proibição israelense de três pesticidas xenoestrogênicos, incluindo o DDT.

AIG: Impressionante. Parece bastante convincente na argumentação contra os xenoestrógenos.

CM: Bastante, mas quero deixar claro que não estou tentando ser alarmista. Os estudos não são conclusivos e minha postura é, basicamente, que há formas práticas para reduzir ao mínimo a exposição aos xenoestrógenos e estou certa de que vamos tocar nelas mais adiante.

AIG: Você mencionou bastante os xenoestrógenos que se encontram nos pesticidas. Mas sei que um dos temas mais candentes seria: xenoestrógenos nos plásticos. Parece que vão em uníssono. Qual seria sua correlação?

CM: Vários estudos demonstraram que os xenoestrógenos podem vazar a partir de policarbonatos de plástico. Há um estudo em particular em que dei uma olhada. Os pesquisadores estavam estudando sobre meios de cultivo com diferentes produtos químicos para ver que tipos de produtos eram estrogênicos. Encontraram um que era incrivelmente estrogênico, mas não teve relação com os produtos químicos acrescentados. Em contrapartida, descobriram sim que o recipiente de plástico onde aqueciam a solução era estrogênico.

AIG: Você falou de crocodilos e águias brancas. Estes animais foram afetados por xenoestrógenos. Estes podem passar para a cadeia alimentar? Se um peixe esteve rodeado por estas toxinas e depois alguém o come, está correndo risco?Estaria ingerindo uma grande quantidade de xenoestrógenos?

CM: Com certeza. Os xenoestrógenos passam para a cadeia alimentar. Dei uma olhada em uma pesquisa onde alguns peixes predadores haviam aumentado seus níveis de xenoestrógenos sob o tecido adiposo ao comer outros que por sua vez estavam armazenando produtos químicos em seu tecido adiposo. Do mesmo modo ocorre nos seres humanos.

Os xenoestrógenos têm uma vida média longa, permanecem no meio ambiente e se armazenam no tecido adiposo. Isto é muito desalentador porque é assim que os produtos químicos passam através da cadeia alimentar.

AIG: Então os plásticos são questionáveis, os pesticidas ruins e agora os xenoestrógenos passam pela cadeia alimentar. Parece que não há forma de livrar-se dos xenoestrógenos por completo. Então qual seria a forma de minimizar a exposição a eles?

CM: Dentro do possível, tentar manter-se longe dos plásticos moles, especiallmente o cloruro de polivinil (PVC), deixá-lo fora de sua casa, sobretudo se há crianças. A questão principal para muitos destes estudos sobre os efeitos dos xenoestrógenos nos seres humanos é que os bebês, meninas e meninos pequenos e especialmente os fetos no útero são particularmente suscetíveis aos efeitos de xenoestrógenos. Você pode arruinar uma criança ao expô-la a altos níveis de xenoestrógenos. Se você tem crianças, use garrafas de vidro sempre que for possível.

Outro conselho seria reduzir ou eliminar os perfumes e ambientadores. Alguns destes produtos têm compostos chamados parabenos, que são xenoestrógenos. Se você adora os ambientadores ou as colônias, certifique-se de que não contenham parabenos.

Meu outro conselho é que se for às compras adquira todo o orgânico que puder. Também é verdade que não é sempre que aplico isso. Sei que comer alimentos orgânicos não é nada barato e sei o que é ser estudante universitária e ter pouco dinheiro. Mas através do consumo de alimentos ecológicos vamos reduzir a exposição à contaminação por pesticidas.Se compra em um mercado, deve lavar bem as frutas e verduras. Compre uma escova suave para esfregar as frutas e verduras antes de cozinhá-las ou comê-las.

Quero insistir que, apesar de existir a possibilidade de consumir pesticidas através do consumo de frutas e verduras, você não deve diminuir seu consumo. São um muro de defesa contra os xenoestrógenos.

Diferentes variedades de frutas e verduras contêm cálcio D-Glucarato. É um extrato botânico que podemos encontrar em altos níveis na toranja, na maçã, no brócolis e nas couves de Bruxelas. Este extrato permite que o corpo possa excretar hormônios estrogênicos antes de possam ser reabsorvidos.

Se bem que já mencionamos as frutas e as verduras, devemos aumentar a ingestão de frutas e bagas, especialmente as que têm altos níveis de antioxidantes. Em particular, assegure-se de comer uvas negras com regularidade.

As uvas negras são a melhor fonte natural de resveratrol, um composto que foi recentemente objeto de numerosos estudos devido suas propriedades antioxidantes e seu potencial para prevenir a doença de Alzheimer. As uvas vermelhas também são uma boa fonte de resveratrol e o consumo moderado de vinho tinto também poderia ajudar. O resveratrol também tem propriedades antiestrogênicas que ajudam a bloquear os xenoestrógenos quando tentam aderir aos receptores de nosso corpo.

Mas nem tudo o que reluz é ouro. Devemos evitar as verduras em conserva. Vários estudos demonstraram que foram detectadas quantidades significativas de BPA em verduras enlatadas e no líquido que se encontra nestas. Trata-se basicamente de uma contaminação que se infiltra da camada de plástico até o interior da lata.

AIG: Isto não deve ser bom para o Popeye, comer todas aquelas latas de espinafre.

CM: Sim, efetivamente. Deve ter tido alguns inibidores da aromatase ou algo assim.

O aquecimento global está descongelando doenças mortais. Será que agora vamos enfrentá-lo?

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Mona Sarfaty no The Guardian de 24 de agosto de 2016.

No início deste mês, um surto de antraz no norte da Rússia causou a morte de um menino de 12 anos e de sua avó e hospitalizou 90 pessoas. Esses esporos mortais – que não eram vistos no Ártico desde 1941 – também se disseminaram entre 2.300 caribus. Tropas russas treinadas para guerra biológica foram enviadas para a região de Yamalo-Nenets para evacuar centenas de indígenas nômades e colocar a doença sob quarentena.

Os americanos também costumam associar o antraz com o misterioso pó branco enviado à imprensa e aos escritórios do Senado dos Estados Unidos nas semanas seguintes ao 11 de setembro de 2001. A bactéria – geralmente isolada em laboratórios de armas químicas – matou cinco pessoas e infectou outras 17 no mais devastador ataque de bioterrorismo da história dos EUA.

Mas na Rússia, a propagação da doença não foi resultado de bioterrorismo, mas do aquecimento global. Altas temperaturas recordes derreteram a camada ártica de gelo permanente e liberou esporos mortais de antraz da carcaça de um caribu infectado há 75 anos, que havia ficado congelada no limbo até agora. Tudo isso sugere que pode não ser fácil prever quais populações estarão mais vulneráveis aos impactos na saúde causados pela mudança climática.

Em 2013, a Academia Nacional de Ciências organizou um fórum sobre a influência das mudanças ambientais globais nas doenças infecciosas. Em seu discurso de abertura, o dr. Jonathan Patz se colocou diante de um grande slide de um mosquito e advertiu: “a maior ameaça do aquecimento global também pode ser a menor”. O fórum enfocou diversas causas de doenças, de fungos, bactérias, vírus e esporos de mofo, a vetores como morcegos e mosquitos. As alterações climáticas podem agravar a propagação de doenças infecciosas, alterando o comportamento, a expectativa de vida e regiões das doenças e seus portadores.

Às vezes pode ser difícil a comprovação direta. Pode ser um desafio, por exemplo, isolar os caminhos pelos quais a mudança climática conduz as infecções emergentes em climas quentes, onde as viagens, o comércio, o uso da terra e a densidade da vida urbana podem levar a disseminação das doenças. Em outras ocasiões, os sinais são evidentes. Olhando para o norte, no Ártico – onde há muito menos pessoas, menos viagens e comércio, e menos doenças infecciosas – os sinais de que a mudança climática é uma fonte de surtos de doenças são claros.

Geralmente, a tundra é tão fria que o solo se congela de forma permanente em camadas profundas que podem datar de 3 milhões de anos. Mas as circunstâncias normais já não se aplicam ao topo do mundo. O Ártico está se aquecendo duas vezes mais rápido que o resto do globo. Na verdade, a área do surto de antraz teve 10°C a mais que a média, com temperaturas atingindo os 35°C. Além de libertar micróbios antigos, a fusão da camada de gelo permanente também libera metano, um gás com efeito estufa 30 vezes mais potente que o dióxido de carbono, o que por sua vez provoca um aquecimento adicional.

Não são apenas as carcaças de animais que estão descongelando. Os grupos indígenas que vivem na tundra não enterram seus mortos, optando por caixões de madeira dispostos em cemitérios acima do solo, o que também aumenta o potencial de infecção.

Poderiam algumas das doenças infecciosas que ameaçaram o planeta no passado ser reativadas conforme nossas regiões mais setentrionais descongelam? Não são apenas os cientistas do clima que estão preocupados com as ameaças à saúde de um mundo em aquecimento. Especialistas em saúde pública e médicos também estão se manifestando. A Comissão Lancet publicou um relatório em 2015 afirmando que a mudança climática poderia reverter os últimos 50 anos de avanços na saúde pública.

Enquanto os riscos só aumentam, os sinais da mudança climática ressaltam a necessidade urgente de soluções para essas alterações. Ainda mais do que sabemos, nossa saúde depende disso.

★★★

Essa do metano das calotas muda totalmente as estimativas de aquecimento global divulgadas nos principais jornais. A projeção de até 5 ou 6 graus não levou em conta a liberação maciça de metano e dá a falsa impressão que está tudo bem. Quem trabalha com saúde coletiva e justiça ambiental já prevê o colapso, com a formação de legiões de exilados ambientais. Mas isso é um detalhe paralelo: o foco é reaquecer a economia, ampliando o consumo de bens obsoletos a custas de trabalho escravo, exclusão social e exaustão ambiental.

Reverenda Jiraya, consultora do Hotel