HEROÍNA DOS ÚLTIMOS DIAS DO CAPITALOCENO 2

Segue o segundo texto sobre a gloriosa Alexandra Elbakyan traduzido pelas macacas idosas nas atividades de terapia ocupacional do Instituto Puerco Suíno/Cochabamba Hotel durante o isolamento pandêmico. Sem mais para o momento. Beijos e não nos liguem. ⚸

Banida pelo PayPal, a pirata dos artigos científicos recebe doações em bitcoin

Uma rebelião silenciosa contra o copyright está sendo travada em um único website por uma programadora autônoma, usando criptomoeda onde o PayPal não funciona.

Por Anna Baydakova, no CoinDesk, em 22 de junho de 2020

O bitcoin como dinheiro livre de controle tem sido usado por todos os tipos de foras-da-lei, mas desta vez a fora-da-lei é uma jovem cientista do Cazaquistão que atravessa paywalls de revistas acadêmicas.

Alexandra Elbakyan, uma programadora autônoma de 31 anos, neurobióloga e filóloga, administra um banco de dados de mais de 80 milhões de artigos de revistas acadêmicas que normalmente só estão disponíveis através de assinaturas. O que começou com uma frustração quando era estudante de pós-graduação tornou-se um serviço de pesquisa gratuito financiado apenas através de doações. Para a maioria das pessoas no mundo, o bitcoin é a única maneira de apoiar o trabalho de Elbakyan.

O site, chamado Sci-Hub, foi processado por duas editoras científicas e supostamente investigado pelo Departamento de Justiça dos EUA por possível espionagem para a inteligência russa. (Elbakyan disse que nunca foi contatada pelas autoridades americanas sobre isso.) Isso efetivamente cortou Elbakyan dos principais serviços financeiros do Ocidente.

Elbakyan contou ao CoinDesk que seu site recebe cerca de 600.000 visitas diárias. Mesmo para pesquisadores que têm acesso a assinaturas via universidades, o Sci-Hub é a opção mais conveniente para obter conteúdo para suas pesquisas, diz ela.

Mas sua luta destaca uma das proposições de valor fundamentais da criptomoeda: quando as pessoas não podem usar os meios de pagamento dominantes, a criptomoeda oferece uma alternativa. Não é o início de uma ampla adoção apontando, mas é “um bom exemplo de bitcoin como um nicho de pagamentos”, diz o economista John Paul Koning ao CoinDesk.

“Para a maioria dos propósitos, as pessoas preferem usar pagamentos fiduciários regulares porque são fáceis”, diz Koning, colunista do CoinDesk. “Mas quando estes estão bloqueados, seja por envolverem atividades ilegais, ou que são legais mas consideradas socialmente inaceitáveis, o bitcoin se torna uma opção. Pessoas que tiveram bloqueados esses sistemas convencionais lentamente estão descobrindo que o bitcoin pode atendê-las. ”

Elbakyan diz que o bitcoin constitui apenas uma pequena parte de todas as doações. Na maioria das vezes, é usado o serviço de pagamento on-line Yandex.Money, disponível na Rússia e em países vizinhos, como Ucrânia, Bielorrússia e Cazaquistão. No entanto, para todas as outras partes do mundo, a cripto é a única maneira direta de oferecer apoio ao Sci-Hub.

Às vezes, isso pode ser um problema. Ainda são poucas as pessoas que confiam no bitcoin, diz Elbakyan, e alguns países proíbem criptomoedas, como a Bolívia e o Equador.

“Alguém me escreveu recentemente dizendo que em seu país apenas viciados em drogas usam bitcoin e perguntava se havia outras maneiras de doar”, disse Elbakyan.

Em 2018, o pós-doutorando da Universidade da Pensilvânia Daniel Himmelstein e um grupo de pesquisadores descobriram que o Sci-Hub levantou mais de 94 bitcoin, no valor de cerca de US $ 900.000 em valores recentes, antes de 2018. Em conversa com o CoinDesk, Elbakyan confirmou que a estimativa estava basicamente correta.

A alta do bitcoin de 2017 foi um bom momento para ela, conta Elbakyan, pois podia vender bitcoins a um preço alto. Mas, por outro lado, ela é indiferente em relação a tudo o que envolve blockchains e tecnologia distribuída. Quando perguntada se as soluções de armazenamento distribuído de arquivos atualmente em desenvolvimento poderiam ser úteis para o Sci-Hub, ela diz que o site funciona bem como está.

Acesso negado

O conflito de Elbakyan com a indústria editorial lhe custou a possibilidade de usar qualquer serviço baseado nos EUA. Em 2015, a holandesa Elsevier, editora de 2.500 periódicos científicos, incluindo The Lancet e ScienceDirect, processou o Sci-Hub por violação de direitos autorais.

Em 2017, um tribunal federal, o Tribunal Distrital do Sul de Nova York, deu ganho de causa à Elsevier e determinou que o Sci-Hub parasse de operar e pagasse US $ 15 milhões por danos. Em uma ação semelhante, a American Chemistry Society venceu um processo contra Elbakyan e obteve o direito de exigir outros US$ 4,8 milhões por danos.

Além disso, ambos os tribunais proibiram efetivamente qualquer empresa dos EUA de facilitar o trabalho do Sci-Hub. Elbakyan teve que migrar o site do domínio .org, e os serviços de pagamento on-line dos EUA não são mais uma opção para ela. Ela também não pode mais usar o Cloudflare, um serviço que protege sites de ataques DoS, conta ela.

“Quando abri uma conta no PayPal, as doações chegavam a cada minuto. Mas depois de um dia a carteira ficou congelada”, diz Elbakyan. Ela mostrou ao CoinDesk um e-mail enviado pelo PayPal em 2013, no qual a empresa notificava Elbakyan que a Elsevier a denunciara por violação de copyright e ela deveria remover os materiais violados do Sci-Hub ou remover o PayPal como opção de doação.

“Os processadores de pagamento estão cada vez mais interessados no que os usuários estão fazendo com seus serviços; chegando ao ponto de banir figuras políticas de quem eles podem desaprovar ”, diz Nic Carter, sócio da Castle Island Ventures.

“Neste mundo de plataformas de pagamento politizadas, a existência de uma alternativa neutra que trata a todos igualmente é uma dádiva de Deus”, disse Carter, referindo-se ao bitcoin.

A assessoria de imprensa do PayPal não respondeu ao pedido de comentário do CoinDesk até o momento.

Portanto, agora, pesquisadores nos EUA que, assim como Elbakyan, não podem pagar assinaturas caras para acessar conteúdo científico, só podem agradecê-la usando bitcoin. E eles estão mesmo usando o Sci-Hub, mostram dados.

Himmelstein descobriu que apopularidade do Sci-Hub tem crescido desde seu início em 2011, passando de 185.243 downloads por dia em fevereiro de 2016 para 458.589 em 2017. Os pesquisadores descobriram que o uso do Sci-Hub excedeu em vinte vezes o da biblioteca on-line da Universidade da Pensilvânia .

Colete salva-vidas acadêmico

Enquanto conversava com o CoinDesk, 30 documentos foram baixados ao longo de três minutos, disse Elbakyan, acrescentando que, durante as horas de maior movimento, pode haver milhares de documentos sendo baixados ao mesmo tempo.

“Se você estiver trabalhando em casa, precisará primeiro acessar o servidor da universidade. E muitas pessoas me disseram que precisavam clicar em vários links e mesmo assim o periódico não seria aberto – o acesso legal é assim, desajeitado ”, diz Elbakyan.

Ela se frustrou com os custos do conhecimento acadêmico quando era estudante, trabalhando em seu projeto de pós-graduação, escreveu Elbakyan em sua autobiografia no Sci-Hub. Quando ela era adolescente, invadia sites por diversão. Aos 16 anos, ela criou um script que lhe permitia baixar gratuitamente os livros do site CogNet do MIT, apesar do paywall, escreveu Elbakyan.

Naquela época, ela contaria com uma rede de pesquisadores que compartilhavam trabalhos aos quais tinham acesso por meio de um fórum on-line, disse ela em uma entrevista ao site Newtonew. Então, decidiu criar um banco de dados com conhecimento acadêmico atualizado automaticamente, que se tornou o Sci-Hub.

O site está usando credenciais de pesquisadores para servidores proxy universitários – Elbakyan não diz exatamente como obtém essas credenciais – e baixando automaticamente documentos no servidor do Sci-Hub, onde as pessoas podem encontrá-los usando um endereço da web ou o identificador do documento que precisam.

“A maioria das pessoas não liga”

Elbakyan está mantendo o site sozinha, acreditando que é o caminho mais seguro. “Se você tem uma equipe, ela pode desmoronar em algum momento ou pode ter um infiltrado”, diz ela.

Mas, embora não precise de mais pessoas trabalhando no Sci-Hub, ela adoraria ver uma discussão ampla sobre o livre acesso ao conhecimento acadêmico, diz. Autodefinida como comunista, Elbakyan acredita que a política de paywall em publicações científicas é uma espécie de censura.

“Eu sonhava que o Sci-Hub fosse discutido pela ONU”, diz Elbakyan, referindo-se às Nações Unidas. “Por exemplo, a Rússia poderia dizer aos EUA que [proibir o Sci-Hub] é uma violação dos direitos humanos porque a Declaração de Direitos Humanos da ONU diz que todos têm o direito de participar do avanço científico. Mas isso permaneceu apenas como um sonho”.

Elbakyan diz que não se aproximou de nenhum partido político ou órgão do governo, pensando que eles poderiam pegar o argumento da censura se estivessem interessados. Ela não acredita que a maioria das pessoas esteja interessada em discutir a liberdade de conhecimento.

“Não existe uma comunidade real para discutir isso, você mal ouve essas vozes. Não apenas na mídia mainstream, mas também no YouTube, por exemplo. Tudo morreu em 2013, quando Aaron Swartz morreu”, disse ela, acrescentando que, apesar de muitas pessoas estarem usando seu site ou sites piratas, como rastreadores de torrents, poucas se importam com como e por que funcionam.

“As pessoas não pensam nas leis de copyright, em fazer algo a respeito ou em votar contra”, diz Elbakyan. “Quando as pessoas me procuram, geralmente escrevem para dizer ‘obrigado’ ou perguntam como doar melhor.”

O impasse do Sci-Hub com a indústria editorial é uma boa luta, acredita Carter (que também é colunista do CoinDesk). “A lei e a moralidade nem sempre coincidem. E, neste caso com certeza, não”, diz ele, acrescentando:

“O Sci-Hub inegavelmente fez do mundo um lugar melhor, e Alexandra teve que viver como uma pária por causa disso. O financiamento de suas operações com bitcoin demonstra perfeitamente sua proposta de valor”.