O aquecimento global está descongelando doenças mortais. Será que agora vamos enfrentá-lo?

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Mona Sarfaty no The Guardian de 24 de agosto de 2016.

No início deste mês, um surto de antraz no norte da Rússia causou a morte de um menino de 12 anos e de sua avó e hospitalizou 90 pessoas. Esses esporos mortais – que não eram vistos no Ártico desde 1941 – também se disseminaram entre 2.300 caribus. Tropas russas treinadas para guerra biológica foram enviadas para a região de Yamalo-Nenets para evacuar centenas de indígenas nômades e colocar a doença sob quarentena.

Os americanos também costumam associar o antraz com o misterioso pó branco enviado à imprensa e aos escritórios do Senado dos Estados Unidos nas semanas seguintes ao 11 de setembro de 2001. A bactéria – geralmente isolada em laboratórios de armas químicas – matou cinco pessoas e infectou outras 17 no mais devastador ataque de bioterrorismo da história dos EUA.

Mas na Rússia, a propagação da doença não foi resultado de bioterrorismo, mas do aquecimento global. Altas temperaturas recordes derreteram a camada ártica de gelo permanente e liberou esporos mortais de antraz da carcaça de um caribu infectado há 75 anos, que havia ficado congelada no limbo até agora. Tudo isso sugere que pode não ser fácil prever quais populações estarão mais vulneráveis aos impactos na saúde causados pela mudança climática.

Em 2013, a Academia Nacional de Ciências organizou um fórum sobre a influência das mudanças ambientais globais nas doenças infecciosas. Em seu discurso de abertura, o dr. Jonathan Patz se colocou diante de um grande slide de um mosquito e advertiu: “a maior ameaça do aquecimento global também pode ser a menor”. O fórum enfocou diversas causas de doenças, de fungos, bactérias, vírus e esporos de mofo, a vetores como morcegos e mosquitos. As alterações climáticas podem agravar a propagação de doenças infecciosas, alterando o comportamento, a expectativa de vida e regiões das doenças e seus portadores.

Às vezes pode ser difícil a comprovação direta. Pode ser um desafio, por exemplo, isolar os caminhos pelos quais a mudança climática conduz as infecções emergentes em climas quentes, onde as viagens, o comércio, o uso da terra e a densidade da vida urbana podem levar a disseminação das doenças. Em outras ocasiões, os sinais são evidentes. Olhando para o norte, no Ártico – onde há muito menos pessoas, menos viagens e comércio, e menos doenças infecciosas – os sinais de que a mudança climática é uma fonte de surtos de doenças são claros.

Geralmente, a tundra é tão fria que o solo se congela de forma permanente em camadas profundas que podem datar de 3 milhões de anos. Mas as circunstâncias normais já não se aplicam ao topo do mundo. O Ártico está se aquecendo duas vezes mais rápido que o resto do globo. Na verdade, a área do surto de antraz teve 10°C a mais que a média, com temperaturas atingindo os 35°C. Além de libertar micróbios antigos, a fusão da camada de gelo permanente também libera metano, um gás com efeito estufa 30 vezes mais potente que o dióxido de carbono, o que por sua vez provoca um aquecimento adicional.

Não são apenas as carcaças de animais que estão descongelando. Os grupos indígenas que vivem na tundra não enterram seus mortos, optando por caixões de madeira dispostos em cemitérios acima do solo, o que também aumenta o potencial de infecção.

Poderiam algumas das doenças infecciosas que ameaçaram o planeta no passado ser reativadas conforme nossas regiões mais setentrionais descongelam? Não são apenas os cientistas do clima que estão preocupados com as ameaças à saúde de um mundo em aquecimento. Especialistas em saúde pública e médicos também estão se manifestando. A Comissão Lancet publicou um relatório em 2015 afirmando que a mudança climática poderia reverter os últimos 50 anos de avanços na saúde pública.

Enquanto os riscos só aumentam, os sinais da mudança climática ressaltam a necessidade urgente de soluções para essas alterações. Ainda mais do que sabemos, nossa saúde depende disso.

★★★

Essa do metano das calotas muda totalmente as estimativas de aquecimento global divulgadas nos principais jornais. A projeção de até 5 ou 6 graus não levou em conta a liberação maciça de metano e dá a falsa impressão que está tudo bem. Quem trabalha com saúde coletiva e justiça ambiental já prevê o colapso, com a formação de legiões de exilados ambientais. Mas isso é um detalhe paralelo: o foco é reaquecer a economia, ampliando o consumo de bens obsoletos a custas de trabalho escravo, exclusão social e exaustão ambiental.

Reverenda Jiraya, consultora do Hotel

Objetos Voadores

 

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Ruben Pater, no Guia de Sobrevivência aos Drones:

Nossos antepassados podiam dizer muitas coisas olhando para o céu. A observação e o reconhecimento de aves fornecia informações importantes sobre o clima, onde encontrar comida, e quais os predadores que estavam por perto. Na paisagem urbana do século XXI, o conhecimento do ambiente natural foi substituído por nosso conhecimento da tecnologia. A maioria de nós não sabe dizer a diferença entre uma águia pescadora e um falção, mas todos podemos diferenciar o toque de um Nokia do toque do iPhone. A tecnologia se tornou nosso habitat natural.

Os veículos aéreos não tripulados (drones) vão se tornar onipresentes em nosso habitat. A Federal Aviation Administration (FAA) dos EUA prevê que em 2030, 30.000 drones comerciais e governamentais podem estar voando nos céus dos Estados Unidos. Os militares parecem antecipar essa mudança de relação com a natureza e a tecnologia ao batizar seus drones: global hawk (“falcão global”), heron (“garça”), killer bee (“abelha assassina”), mantis (“louva-a-deus”), predator (“predador”), reaper (“ceifeiro”), raven (“corvo”), scan eagle (“águia exploradora”), etc. Pássaros eletrônicos pairam no ar, circulam sobre zonas de guerra até detectar suas presas e atacar.

[…]

É importante que aprendamos a identificar drones visual e auditivamente e a nos adaptar a este ambiente em transformação.

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Índio atira em suposto OVNI, recebe descarga elétrica e cai desmaiado em aldeia de Feijó

Jorge Natal, da ContilNet 15/02/2016 23:59:48

Na semana passada, um índio conhecido por Iaka Kampa, morador da aldeia Nova Floresta, no rio Envira, no município de Feijó, foi atingido por descarga de um Objeto Voador Não Identificado (OVNI). O suposto ‘disco voador’ teria sido visto por outros índios, que disparam 18 tiros de espingarda em seu rumo. “Ele era muito rápido, tinha uma luz muito forte e esverdeada”, disse o índio Airton Kampa.

Ainda segundo Kampa, os índios acharam que se tratava de um drone, mas por ter queimado os bicos de todas as lanternas e emitido fortes descargas elétricas, eles ficaram apavorados. “Ele aparecia sempre às 1:30 da madrugada e ficava mais ou mesmo até às duas horas”, disse o índio, que trouxe o amigo atingido até o hospital da cidade.

O professor aposentado da Universidade Federal do Acre (Ufac), Carvalho de Melo, também teria visto um OVNI com as mesmas características, desta feita às margens da BR 364, sentido Manoel Urbano-Feijó. A reportagem ainda não fez contato com o professor, que também mora em Feijó.

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Mistério: professor diz que suposto OVNI vem aterrorizando comunidades indígenas no Acre

Jorge Natal, da ContilNet 16/02/2016 23:05:01

O professor indígena Airton Silva de Oliveira afirmou à ContilNet que um Objeto Voador Não Identificado (OVNI) está aterrorizando as aldeias Nova Floresta e Cocoaçu, localizadas no Alto Rio Envira, no município de Feijó. “Passei três noites pastorando. Era uma máquina pequena, que ascendia luzes vermelhas, azuis e verdes”, relatou o índio, acrescentando ainda que o OVNI exalava um odor de pneu queimado.

Na semana passada, o professor socorreu o índio Iaka Ashanika, que foi atingido por descarga de um suposto ‘disco voador’, depois de ter disparado 18 tiros de espingarda na direção do objeto. “Ele se deslocava muito rápido, em todas as direções”, declarou Airton. “Ninguém esta conseguindo dormir nas aldeias. Estamos aterrorizados com aquele negocio estranho, que não é um drone”, assegura o professor.

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Voltando ao Guia de Sobrevivência aos Drones:

Os drones estão equipados com câmeras extremamente poderosas que podem detectar pessoas e veículos a muitos quilômetros de distância. Quase todos contam com visão noturna e/ou câmeras infravermelhas conhecidas como FLIR (“Forward Looking Infra-Red” ou “sensor de visão frontal infravermelha”), que podem detectar calor humano de longe, durante o dia ou à noite. No entanto, há maneiras de esconder-se deles:

Escondendo-se dos drones

1. Camuflagem diurna. Esconda-se nas sombras de edifícios e árvores. Utilize matas densas como camuflagem natural ou use redes de camuflagem.

2. Camuflagem noturna. Esconda-se dentro de edifícios ou sob a proteção de árvores e folhagens

Não use lanternas ou farois de carros. Mesmo a grandes distâncias os drones podem detectá-los com facilidade durante missões noturnas.

3. Camuflagem térmica. Os cobertores de emergência (também conhecidos como cobertores espaciais) feitos de Mylar podem bloquear os raios infravermelhos. vestir um cobertor espacial como poncho durante a noite ocultará seu rastro térmico da detecção por infravermelho. No verão, quando a temperatura oscila entre 36ºC e 40ºC, as câmeras infravermelhas não podem distinguir entre um corpo e seu entorno.

4. Aguarde o mau tempo. Os drones não podem operar com ventos fortes, fumaça, tempestades ou condições climáticas extremas.

5. Não use comunicação wireless. Utilizar celulares ou comunicação baseada em GPS vai expor sua localização.

6. Espalhar pedaços de vidro ou material espelhado sobre um carro ou em um telhado confundirá a câmera do drone.

7. Chamarizes. Use manequins ou bonecos em tamanho humano para distrair os drones durante o reconhecimento.

Hackeando os drones

Os drones são controlados remotamente. Os pilotos que operam a nave podem estar a milhares de quilômetros de distância em estações de controle terrestre. O piloto opera a nave através de um sinal de dados transmitido por satélite. Através da interceptação ou da interferência no sinal de dados é possível interferir no controle dos drones. O sinal de dados às vezes não está criptografado.

1. Interceptação. Uma técnica sofisticada consiste em utilizar software de varredura celeste com uma antena parabólica e um sintonizador de TV para interceptar a frequência do drone. Tanto as comunicações geradas pelo drone quanto aquelas destinadas a ele podem ser interceptadas.

2. Interferência. Transmissões em diversas frequências ou pacote de frequências podem desconectar a ligação entre o piloto do drone e sua aeronave.

3. Enganando o GPS. Pequenos transmissores portáteis de GPS podem enviar sinais falsos de GPS e enganar os sistemas de navegação do drone. Podem ser usados, por exemplo, para direcionar os drones para rotas de autodestruição ou mesmo roubá-los e pousá-los em uma pista.

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Enquanto isso, a alguns quilômetros do Rio Envira, nos Ashaninka do Rio Amônia…

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[Fotos de Ernesto de Carvalho vindas daqui]

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Yanomami

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A BBC noticiou no final de maio mas, com o turbilhão de coisas que vêm acontecendo diariamente, passou despercebido aqui no Cocha Hotel:

Quando o senador Romero Jucá (PMDB-RR) foi nomeado ministro do Planejamento do governo interino de Michel Temer, xamãs e lideranças do povo ianomâmi recorreram a “espíritos da natureza para pressionar a alma” do político e tentar fazê-lo desistir do posto, conta à BBC Brasil o jovem líder Dário Kopenawa Yanomami.

E conseguiram. Como se vê, o uso de armas heterodoxas contra a gangue de homens brancos, ricos e velhos que assaltou o Palácio do Planalto no mês passado tem sido bastante intenso.

[descolonizando a corimba no CH, conforme solicitado ;-) ]

Uma Nota Sobre Sigilos

Da Psychick Bible de Genesis P-Orridge:

Para a mágicka operar de forma mais eficaz, as mais poderosas ferramentas disponíveis devem ser postas em ação. Nesta região de tempo e espaço em que atualmente habitamos, as ferramentas mais adequadas são as da tecnologia moderna. Os sigilos mais úteis agora possíveis são construções de mídias mistas criadas por uma combinação de computadores, câmeras de vídeo e gravadores, e fontes e processadores de som eletrônico.

Em minha experiência, o melhor meio para a produção e utilização de sigilos envolve antes de tudo criar uma simples declaração ou imagem definindo o resultado pretendido. Isso deve ser feito de uma maneira que sugira que a operação já obteve sucesso. Por exemplo, “eu tenho…” ou “eu sou…” são aberturas mais efetivas que “eu quero…”, que sugere e, portanto, reforça um estado de privação.

Em seguida, as imagens e/ou declarações devem ser modificadas até que fiquem irreconhecíveis, sem que seus significados sejam destruídos. Os métodos utilizados podem incluir sua incorporação subliminar em outras mensagens, ou a distorção das imagens por alteração de cor ou irregularidades espaciais, ou o tratamento dos sons com filtros ou modulação em anel, etc. Outros dispositivos úteis podem incluir o uso de cut-ups ou sobreposição de símbolos.

O produto final pode então ser utilizado de diversas maneiras diferentes. Como um objeto no qual se concentrar, uma imagem postada em um lugar de destaque onde será vista com frequência, uma peça musical a ser ouvida, um filme a ser visto em intervalos frequentes, etc. O significado do sigilo deve ser ignorado e até mesmo esquecido, durante esta fase da operação. A imagem resultante deve ser incorporada no inconsciente, e o pensamento consciente não deve ser autorizado a interferir.

Tudo o que resta então a ser feito é aguardar o resultado sem tentar forçá-lo ou tomar medidas que possam impedi-lo. Não faça esforço algum, e você estará agindo corretamente.

R. P. Stoval

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A Teoria da Mulher Doente

Na tarde do domingo passado, o staff do hotel subia a Rua Augusta na manifestação contra o golpe convocada pelas mulheres. Observando as pessoas que das janelas dos prédios acenavam para nós com bandeiras e panos vermelhos, ChaosTotal comentou: “moram aqui do lado, por que não vêm pra rua também?”. Respondemos que muita gente, por mais vontade que tivesse, não podia estar ali caminhando conosco, por vários motivos. Johanna Hedva nos explica melhor isso e muitas outras coisas importantes.

[como de costume, a tradução foi feita pelas macacas idosas durante as atividades antidemência no asilo do Puerco Suíno. Está imperfeita, cheia de erros, por isso pode e deve ser melhorada por quem se dispuser].

★☭★

A TEORIA DA MULHER DOENTE

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Johanna Hedva vive com uma doença crônica e sua Teoria da Mulher Doente é para todas aquelas que nunca imaginaram sobreviver, mas sobreviveram.

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No final de 2014 eu estava num surto de uma patologia crônica que, entre cada 12 ou 18 meses, torna-se tão forte que me deixa sem poder caminhar, dirigir, fazer meu trabalho, às vezes falar ou entender o que falam, tomar banho sem ajuda e sair da cama, por cinco meses a cada episódio. Naquela vez, coincidiu com os protestos de Black Lives Matter, aos quais eu teria ido sem pensar, se pudesse. Vivo a uma quadra do parque MacArthur em Los Angeles, um bairro predominantemente latino e popularmente conhecido como um lugar onde muitos imigrantes começam sua vida nos Estados Unidos. Portanto, não surpreende que o parque seja um dos mais ativos locais de protesto na cidade.

Ouvi os sons da manifestação se aproximando de minha janela. Grudada a minha cama, ergui meu punho de mulher doente em solidariedade.

Comecei a pensar sobre as formas de protesto permitidas às pessoas doentes – me pareceu que muitas das pessoas às quais Black Lives Matter se destina não podem, talvez, estar presentes nas manifestações porque estão presas a um trabalho, pelo risco de demissão se forem às manifestações, por estarem literalmente presas, e, claro, pela ameaça da violência e brutalidade policial… mas também por doença ou deficiência, ou por cuidarem de alguém com uma doença ou deficiência. Continuar a ler

Grupos de Afinidade

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GRUPO DE AFINIDADE = UMA GANGUE DE RUA COM ANÁLISE DE CONJUNTURA

As ideias podem criar situações de vida ou morte, mas alguém só pode realmente lutar e morrer por si mesmo e pelas vidas de seus amigos” Chefe Joseph

Na presente luta as formas de organização a se criar devem ser aquelas apropriadas para as novas condições que são o verdadeiro conteúdo de nossos tempos. Estas devem ser formas tenazes o suficiente para resistir à repressão; formas que podem crescer secretamente, aprendendo a se manifestar de uma grande variedade de maneiras, impedindo que seu modo de atuação seja cooptado pela oposição ou simplesmente esmagado. O grupo de afinidade é a semente/gérmen/essência da organização. Ele é a junção de mútua Necessidade ou Desejo: grupos coesos históricos se uniram por necessidade comum de sobrevivência, enquanto sonhavam com a possibilidade de amor. No período pré-revolucionário os grupos de afinidade devem se juntar para criar um projeto de consciência revolucionária e desenvolver formas de lutas particulares. No período revolucionário propriamente dito eles emergirão como quadros armados nos centros de conflito, e no período pós-revolucionário vão sugerir novas formas de vida cotidiana.

Manifestações de massas têm êxito de duas maneiras: elas trazem níveis predominantes de consciência às ruas e tornam visível a quantidade de alienação ativa em nossa sociedade… e às vezes elas transcendem o tema “manifestações” para se tornarem ações de massas. Como manifestações de massas elas não conseguem fazer avançar a natureza e as formas de nossa luta – como ações de massas (contra a polícia ou contra a propriedade) elas começam a definir a direção e a realidade daquilo que nossa luta deve se tornar.

Motins” ou rebeliões são as formas mais elevadas de ação de massas que já vimos até agora. Estas rebeliões projetam a consciência de uma comunidade uma vez que (1) libera bens e áreas geográficas, e (2) envolve as forças de ocupação (GAMBÉS) na briga. Esta forma, também, tem vantagens e limitações, e é em resposta a ambas que as pessoas estão descobrindo as possibilidades teóricas/táticas de trabalhar juntas em pequenos grupos íntimos. As perspectivas para o futuro são claras em, pelo menos, um aspecto: o Homem e sua Polícia estão aprendendo “controle de multidões” e estão intensificando sua resposta à massa de gente que toma a decisão de agir transgredindo “a lei e a ordem” desta sociedade. Nossos preparativos para fazer avançar a luta devem sempre levar em conta as habilidades e tendências do inimigo. Manifestações de massas e rebeliões em comunidades continuarão a servir para necessidades específicas em muitas situações… mas no sentido geral da luta em curso é necessário que comecemos a agir da maneira que seja mais favorável para nossos meios e nossos objetivos – PEQUENOS GRUPOS EXECUTANDO “PEQUENAS” AÇÕES EM CONJUNTO COM OUTROS PEQUENOS GRUPOS/“PEQUENAS” AÇÕES VÃO CRIAR UM CLIMA GENERALIZADO DE LUTA NO QUAL TODAS AS FORMAS DE REBELIÃO PODEM SE UNIR E FORÇAR A FORMA FINAL: REVOLUÇÃO…

Já vimos a resposta dos pequenos grupos – as Comunas de Columbia, as Gangues Revolucionárias de Berkeley, os Comitês de Ação da França, e outros que até agora só são conhecidos por suas ações (Cleveland). Nos próximos meses esses e muitos outros grupos que vão se formar encontrarão dois tipos de necessidade absoluta em sua busca por criar a possibilidade de uma comunidade real:

(1) Desenvolvimento interno e segurança. Cada grupo vai continuar a criar o seu próprio senso de identidade através da síntese consciente de teoria/prática, e cada grupo vai aplicar essa identidade à realidade existente da forma mais eficaz.

(2) Relações externas com grupos semelhantes. Temos de começar a configurar essas formas de comunicação e de conhecimento mútuo que podem permitir uma maior mobilidade e maior resposta a crises mais que locais. Isso significa que teremos de começar a criar uma rede de grupos de afinidade (tanto dentro das comunidades existentes como entre essas comunidades).

Esta rede ou “Federação” deve se caracterizar por uma flexibilidade estrutural que garanta a identidade e autodeterminação de cada grupo de afinidade, bem como uma realidade organizativa que permita o máximo de ações conjuntas dirigidas à revolução total.

O conceito de grupo de afinidade de modo algum nega a validade das ações de massas, ao contrário, esta ideia aumenta as possibilidades revolucionárias dessas ações. A minoria ativa é capaz, porque é teoricamente mais consciente e taticamente melhor preparada para acender o primeiro pavio e fazer os primeiros avanços. Mas isso é tudo. Os outros podem seguir ou não… A minoria ativa desempenha o papel de um agente de fermentação permanente, estimulando a ação sem a pretensão de ocupar um lugar de liderança no movimento social. É a espontaneidade que permite o impulso para a frente, e não as palavras de ordem e diretivas de líderes. O grupo de afinidade é fonte tanto de espontaneidade quanto de novas formas de luta.

up against the wall/MOTHERFUCKERS, no longínquo século XX.

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Lincoln Detox Center 3: Gangues em Nova Iorque

Descobrimos o Lincoln Detox Center através deste texto do Felix Guattari, publicado no Brasil no início da década 1980, num livro chamado Revolução Molecular. Aqui Guattari destaca o protagonismo das gangues de rua do South Bronx no programa de desintoxicação do Lincoln Hospital, coisa que não pudemos confirmar em outras fontes. Pelo contrário, como se vê nos relatos reproduzidos em outras postagens aqui no CH, os grupos que Guattari chama de “movimentos revolucionários nacionais” [Young Lords, BPP, Republic of New Afrika] aparecem sempre como os grandes articuladores do Lincoln Detox. Porém, todos coincidem com FG num ponto que nos interessa bastante: a dissolução do poder médico [da “iatrocracia”, como diriam os valentes do SPK/PF] no Centro. Desde o início, os médicos foram afastados do comando do  Programa, assumindo sempre um papel coadjuvante – recordemos a surpreendente narrativa de Vicente “Panamá” Alba de como o programa começou a utilizar a acupuntura.

As fotos parece que foram feitas por Hélio Oiticica em seu desterro novaiorquino, mais precisamente no dia 19 de novembro de 1974, numa das sessões de gravação de vídeo de Martine Barrat com as gangues do South Bronx. A respeito, Barrat diz em seu site:

Meu querido amigo Hélio Oiticica costumava nos visitar, as gangues e eu, no South Bronx. Os membros das gangues  o amavam […]

A Gerência p/ Macacas Idosas do IGPS

★★★

GANGUES EM NOVA IORQUE

Felix Guattari [tradução de Suely Rolnik]

A marginalidade é o lugar onde se podem ler os pontos de ruptura nas estruturas sociais e os esboços de problemática nova no campo da economia desejante coletiva. Trata-se de analisar a marginalidade, não como uma manifestação psicopatológica, mas como a parte mais viva, a mais móvel das coletividades humanas nas suas tentativas de encontrar respostas às mudanças nas estruturas sociais e materiais.

Mas a própria noção de marginalidade permanece extremamente ambígua. De fato, ela implica sempre a ideia de uma dependência secreta da sociedade pretensamente normal. A marginalidade chama o recentramento, a recuperação. Gostaríamos de lhe opor a ideia da minoria. Uma minoria pode se querer definitivamente minoritária. Por exemplo, os homossexuais militantes nos Estados Unidos são minoritários que recusam ser marginalizados. Nesse mesmo sentido pode-se considerar que as gangues negras e porto-riquenhas nos Estados Unidos não são mais marginais do que o são os negros e os porto-riquenhos nos bairros das grandes cidades que eles controlam, às vezes, quase que inteiramente. Trata-se de um fenômeno novo que indica direções novas. Uma simplificação corrente consiste em dizer que este tipo de gangue não põe em ação senão mecanismos de autodefesa e que sua existência é apenas a consequência do fato de que o poder politico, os partidos e os sindicatos ainda não encontraram resposta a esse problema. (Foi na esperança de achar uma tal resposta que Reagan, quando governador da Califórnia, tentou estabelecer um colossal centro de pesquisas para estudar os meios de reabsorver a violência. Seus trabalhos deveriam orientar-se na direção, apenas caricaturada, do filme Laranja Mecânica).

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É fato que, no quadro dos fenômenos de decomposição que certas grandes cidades dos Estados Unidos conhecem, a urbanização e a “urbanidade”, por mais que tenha sido feito, deixam de funcionar lado a lado. O papel de melting pot da cidade deixa lugar, nesses casos de câncer do tecido urbano, a uma aceleração das formas de segregação racial, a um reforçamento dos particularismos que vai ate à impossibilidade de circular de um bairro a outro. (A polícia, hoje em dia, só penetra excepcionalmente em certos bairros de Nova Iorque.)

Ao invés de considerar tais fenômenos como respostas coletivas improvisadas a uma carência (a carência de moradia, por exemplo), dever-se-ia estudá-los como uma experimentação social na marra, em grande escala. De forma mais ao menos consequente, as minorias sociais exploram os problemas da economia do desejo no campo urbano. Essa exploração não propõe formas ou modelos, ela não traz remédio a algo que seria patológico: ela indica, isto sim, a direção de novas modalidades de organização da subjetividade coletiva.

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Detenhamo-nos num exemplo típico: o do South Bronx em Nova Iorque. Gangues de jovens, que reúnem às vezes vários milhares de indivíduos, esquadrinham toda essa parte da cidade. Eles se deram uma organização muito rígida, muito hierarquizada e mesmo tradicionalista. As mulheres estão organizadas em gangues paralelas, mas permanecem completamente sujeitas as gangues masculinas. Tais gangues participam, por um lado, de uma economia desejante fascista, e, por outro, daquilo que certos de seus dirigentes chamam eles mesmos de um socialismo primitivo (grass-root). Destaquemos entretanto os sinais de uma evolução interessante. Em certas gangues porto-riquenhas de Nova Iorque, onde as meninas eram tradicionalmente sujeitas aos chefes masculinos, aparecem agora estruturas de organização femininas mais autônomas, e que não reproduzem os mesmos tipos de hierarquia; as meninas dizem que, diferentemente dos rapazes, não experimentaram a necessidade de uma tal estruturação. Para elas, se trata de buscar um outro tipo de organização que se diferencie da mitologia ligada a uma espécie de culto fálico do chefe.

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Toda uma série de questões pode ser colocada a partir daí:

como é que se chegou a isso, principalmente no plano da segregação racial?

por que os movimentos de emancipação foram forçados a se fazer implicitamente agentes desta segregação?

por que os movimentos revolucionários nacionais (Black Panthers, Black Muslims, Young Lords, etc…) permaneceram sem possibilidade de controle sobre esses milhares de gangues que esquadrinham, quarteirão por quarteirão, uma parte considerável das grandes cidades americanas?

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Uma certa cultura, específica das massas mais deserdadas, um certo modelo de vida, um certo sentido da dignidade humana existem nessas gangues, e poderíamos igualmente creditar-lhes certas intervenções sociais que trazem respostas a problemas que nenhum tipo de poder de Estado pode abordar. Foi assim que no South Bronx bastou que uma equipe de médicos trabalhasse junto com as gangues para que se pudesse desenvolver um sistema muito original de organização da higiene mental.

Assinalemos, em particular, a propósito do problema da droga, uma experiência das mais originais, sempre no South Bronx. Há dois anos, durante as lutas raciais, o Lincoln Hospital foi ocupado por militantes revolucionários, depois evacuado ao cabo de algumas semanas. Mas todo um andar do hospital continuou a ser ocupado e não cessou de o ser, desde este período, por ex-drogados que assumiram por si mesmos a organização de um serviço de desintoxicação. Esta instauração da autogestão num serviço hospitalar mereceria ser explorada em todos os seus detalhes. Destaquemos simplesmente alguns fatos:

o essencial da equipe é composto por ex-drogados;

os médicos jamais têm acesso direto aos doentes e aos serviços;

o centro faz sua própria polícia e um status quo pode instituir-se com a polícia do Estado de Nova Iorque;

o Estado de Nova Iorque, após haver lutado muito tempo contra o Centro, foi levado finalmente a subvencioná-lo;

fez-se uma utilização muito particular da metadona, que é empregada aqui apenas como tratamento intensivo durante alguns dias, enquanto que nos serviços clássicos sua administração dura anos e constitui uma espécie de droga artificial sujeitando definitivamente o ex-drogado ao “poder médico”.

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Mas o que e talvez o mais interessante é a conjunção da ação das gangues com esse serviço de autogestão. Ela acabou não somente por aperfeiçoar um sistema de tratamento eficaz (veem-se drogados chegar por si mesmos, titubeando, ao Centro), mas por trazer soluções a um problema mais geral, o do tráfico da droga. Com efeito, as gangues tomaram o controle da situação, na verdade meio rudemente, eliminando pela persuasão, ou mesmo algumas vezes fisicamente, os pushers (traficantes).

Certas gangues e certos movimentos negros tomaram consciência da manipulação de que eram objetos, através da droga, pelo poder de Estado. (A coisa se tomou manifesta para eles quando se descobriu que os estoques de droga, apreendidos pela polícia nova-iorquina, tinham sido substituídos por farinha e revendidos pela polícia, e isso numa escala colossal.)

Mas o exemplos de tais ações relativamente pacificas continuam sendo exceção. A violência e o medo, frequentemente alimentados pela polícia, reinam no seio das gangues. Não se pode dizer que uma tal “experiência” nos propõe um modelo de “qualidade de vida”.

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Certos esboços de organização mais sistemática são combatidos pelas autoridades, em particular as relações que começavam a se instituir entre as diferentes gangues e mesmo entre as diferentes raças (negros, porto-riquenhos, chicanos, etc…) e as relações entre as gangues locais e os movimentos implantados nacionalmente.

O fenômeno das gangues, em sua amplitude e em seu estilo atual, data de bem poucos anos. Antigamente o conjunto dos movimentos negros tinha sido submerso por uma onda de droga branca que havia chegado até os altos escalões. Mas não é ao nível dos movimentos nacionais que um início de resposta ao problema da droga foi encontrada, e sim ao nível das gangues, que aliás consideravam tais movimentos muito elitistas, comparados a elas que permanecem em contato estreito com as massas e com os pés na terra.

Alguns professores e trabalhadores sociais começaram a trabalhar com estas gangues. Um professor e uma cineasta francesa1 realizaram com eles alguns filmes em video. As autoridades toleraram mal tais ‘iniciativas, tentaram recuperá-las com fins policiais. É possível entretanto que a Rede Alternativa à Psiquiatria2 consiga refazer estas tentativas.

Notas —————–

1N. da Trad.: Guattari se refere a Martine Barrat, fotógrafa e cineasta francesa, radicada em Nova Iorque, que vem acompanhando, desde 1971 as gangues de adolescentes negros e porto-riquenhos em South Bronx. Trabalha com video-teipe, muitas vezes manipulado pelas próprias gangues, sendo um registro que rompe com o silêncio forçado deste setor da vida social norte-americana. A circulação intensa do trabalho de Martine Harrat – inúmeras exposições, artigos de jornal e revista; programas de televisão – tem levado a voz das gangues pelo mundo. Martine Harrat esteve no Brasil, em 1979, durante alguns meses, vivendo em Mangueira.

2N. da Trad.: Cf. o cap. “A Trama da Rede” do livro Revolução Molecular.

Lincoln Detox Center 2: Nehanda Abiodun relembra

Nehanda Abiodun é uma harlemita exilada em Cuba desde o final da década de 70. É considerada a Madrinha do Hip Hop na ilha. Atualmente sua segurança está ameaçada pela normalização das relações entre Cuba e os EUA, onde o FBI segue pedindo sua cabeça, assim como a de Assata Shakur. Num relato autobiográfico, Nehanda conta sua passagem pelo Lincoln Detox Center:

Quando saí da Universidade de Columbia, comecei a trabalhar em uma clínica de metadona no East Harlem. Como muitas outras pessoas naquela época, eu achava que a metadona era uma solução clínica viável para a dependência de heroína. No final, fui demitida da clínica por me recusar a aumentar a dosagem em um dos pacientes que havia conseguido parar de usar drogas ilícitas e reduzido a administração de metadona de 120 mg para 20 mg em um espaço de tempo muito curto. A opinião dos donos da clínica era que eu havia reduzido a dosagem de metadona rápido demais. Minha defesa era que o paciente não estava mais usando drogas ilícitas, não se queixava de nenhum desconforto físico e estava lidando bem com suas responsabilidades externas. O ultimato dos donos da clínica foi que eu devia aumentar a dosagem de metadona ou seria demitida. Optei por ser demitida em vez de forçar um paciente a tomar mais drogas que o necessário.

Depois que fui demitida comecei a pesquisar alternativas à desintoxicação com drogas. Foi essa pesquisa que me levou à clínica de desintoxicação com acupuntura do Lincoln Hospital. Fundada por ativistas e ex-ativistas do Black Panther Party, da Republic of New Afrika, dos Young Lords e da Students for a Democratic Society, a clínica havia tratado com sucesso de milhares de dependentes de álcool e drogas usando a acupuntura. Muito de seu sucesso se devia a um plano de tratamento holístico abrangente aliado a aulas de educação política e trabalho comunitário dos quais os pacientes tinham que participar.

As aulas de educação política possibilitavam que o paciente compreendesse sua dependência em um contexto mais político, como a dependência contribuía não só para sua deterioração individual, mas também da família e da comunidade. Era nessas aulas que aprendiam sobre o envolvimento da CIA com o tráfico de heroína, usando os sacos que traziam os corpos dos soldados mortos no Vietnã para transportar a droga. Também aprendiam como a dependência de drogas tinha sido usada como meio de enfraquecimento de movimentos progressistas nacionais e estrangeiros.

O trabalho comunitário do qual eram convidados a participar incluía tarefas como ajudar um inquilino despejado a encontrar moradia; trabalho com direitos sociais; ajudar no transporte de uma família para visitar algum parente preso; ou estar presente em um julgamento para mostrar apoio a um dos muitos presos políticos que estavam sendo jogados nas prisões por seu trabalho político.

As aulas e o trabalho comunitário eram elementos importantes para o processo de cura porque possibilitavam aos pacientes entender sua opressão de uma maneira mais global e deixarem de ser parasitas para então contribuir com o bem-estar de sua comunidade.

O Lincoln Detox deixou de existir como um centro de saúde controlado pela comunidade quando cerca de 200 membros do departamento de polícia de Nova Iorque e suas equipes da SWAT empregaram a força para fechá-lo. A justificativa oficial foi o mau uso dos recursos mas o motivo real foi revelado quando o prefeito Koch disse que “o Lincoln Detox era um terreno fértil para células revolucionárias”.

Lincoln Detox Center

Entrevista com Vicente “Panamá” Alba feita por Molly Porzing para o The Abolitionist – tradução puerca do Instituto Geriátrico Puerco Suíno.
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↑ O South Bronx no início da década de 1970: edifícios demolidos pela especulação imobiliária. Ao fundo, a bandeira de Porto Rico

O que foi o Lincoln Detox Center [Centro de Desintoxicação Lincoln]? Como e por que ele começou?

No final dos anos 60 e começo dos 70, em Nova York, vivíamos uma epidemia de drogas. Em novembro de 1970 eu tinha 19 anos e havia sido dependente de heroína por cinco anos. Comecei a usar heroína quando tinha 14 anos, o que era bastante comum entre jovens de minha geração. Cerca de 15% da população era dependente (nas comunidades no South Bronx, Harlem, Lower East Side, Bushwick no Brooklyn, incluindo todo mundo, de um bebê recém-nascido até uma pessoa idosa)1. A maior concentração de dependentes estava entre adolescentes e pessoas entre os 20 e 30 anos. A dependência naquela época era principalmente de heroína.

Nos anos 60 o governo dos EUA estava empenhado em uma guerra no sudeste asiático, popularmente conhecida como a Guerra do Vietnã, mas os Estados Unidos se envolveram em todo o sudeste asiático. Havia uma linha aérea que era uma operação da CIA para o transporte de heroína do sudeste asiático para os EUA. Hoje nós vemos nos filmes de Hollywood “gangsters” importando heroína, mas o grosso da heroína importada para os Estados Unidos era parte de uma operação do governo dos Estados Unidos, que tinha como alvo as comunidades não-brancas2, comunidades negras e latinas.

Em Nova York, a heroína devastou a maior parte do Harlem e do South Bronx. Jovens usavam heroína abertamente, cheiravam heroína nos salões de baile ou nos banheiros das escolas, e acabavam se injetando por via intravenosa. Era uma epidemia que fez o pantera negra Michael Cetewayo Tabor, um dos 21 de Nova York, escrever um panfleto chamado “Capitalism Plus Dope Equals Genocide(“Capitalismo Mais Droga Igual Genocídio), que nós usamos bastante. Em 1969 o Black Panther Party na cidade de Nova York foi dizimado pelo indiciamento de 21 panteras negras e precisava se concentrar no julgamento, deixando de atuar em outras áreas naquele momento. Devido a relação que o Black Panther Party e os Young Lords tinham, juntos começamos a ver a epidemia de heroína, a saúde geral de nossas comunidades e as posições das instituições de saúde pública contra nossas comunidades.

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↑ Lincoln Hospital: Açougue – charge do Palante, jornal dos Young Lords

O Lincoln Hospital foi construído em 1839 para receber ex-escravos que migravam do sul. Por volta de 1970, ele era a única instalação médica no South Bronx. Era uma estrutura de tijolos em ruínas, do século anterior, que nunca havia sido reformada. Era conhecido como o “açougue do South Bronx”. No antigo Lincoln Hospital (e ainda hoje), você andava pelo corredor e via sangue em todo lugar – sangue nas paredes, nos lençóis, nas macas, nos seus sapatos. Os médicos eram designados para lá para fazer estágio e aprender em negros, porto-riquenhos e na pequena comunidade branca do South Bronx.

No começo de 1970, uma mulher de nome Carmen Rodríguez3 foi trucidada no hospital e sangrou até morrer em uma maca. Depois de sua morte, os Young Lords, com a participação de alguns Panteras Negras, ocuparam o Lincoln Hospital pela primeira vez e exigiram uma assistência médica melhor para as pessoas naquela comunidade.

No começo de 1970, uma mulher de nome Carmen Rodríguez3 foi trucidada no hospital e sangrou até morrer em uma maca. Depois de sua morte, os Young Lords, com a participação de alguns Panteras Negras, ocuparam o Lincoln Hospital pela primeira vez e exigiram uma assistência médica melhor para as pessoas naquela comunidade.

Durante a ocupação, Young Lords, Panteras, apoiadores e tradutores, colocaram mesas onde as pessoas vieram relatar suas experiências de tratamento médico. A ocupação se dedicou em grande parte a mostrar que não havia tradutores no Lincoln Hospital. O South Bronx é uma comunidade predominantemente porto-riquenha, principalmente de recém-chegados que falavam espanhol ou de segunda geração que não falava quase nada de inglês. As pessoas iam para o Lincoln Hospital buscando tratamento médico e lá não havia ninguém para entender sua doença ou problema. A administração do hospital também foi confrontada com a falta de serviços para dependência, principalmente dependência em heroína. A comunidade disse ao hospital que um dos problemas era que você vinha ao hospital e não recebia tratamento algum. O hospital não deu importância a isso.

Meses depois, em 10 de novembro de 1970, um grupo de Young Lords, membros de uma coalizão antidrogas do South Bronx e do Health Revolutionary Unity Movement (uma organização de massas dos trabalhadores da saúde), com o apoio do Think Lincoln Collective, ocupou o prédio de Residência dos Enfermeiros do Lincoln Hospital e estabeleceu um programa de tratamento de drogas chamado The People’s Drug Program (Programa Popular de Drogas), que ficou conhecido como Lincoln Detox Center (Centro de Desintoxicação Lincoln).

A polícia nos cercou e nós dissemos que não sairíamos. Por volta do segundo dia, a notícia da ocupação havia se espalhado de boca em boca e tínhamos centenas de pessoas fazendo fila querendo receber tratamento para dependência. Mais ou menos um mês depois, a administração teve que reconhecer o fato de que nós não sairíamos. Eles não se decidiam em relação à proposta de usar uma verba destinada para tratamento que não havia sido usada. O dinheiro foi trazido e uma equipe foi contratada entre os próprios voluntários do programa de desintoxicação do Lincoln que começamos. É claro que os poderes constituídos não nos queriam lá, mas não sabiam como lidar com as pessoas dizendo que não devíamos ir embora. Nós ficamos e servimos ao nosso povo. Fomos muito eficientes e mantivemos nosso programa funcionando até 1979.

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↑ Panfleto do Think Lincoln Committee, organização de base fundamental para a criação do Lincoln Detox

Qual foi a sua participação?

Eu me uni à criação do Lincoln Detox desde o primeiro dia. Antes disso, meu principal objetivo era conseguir drogas, até que uma vez a Cleo Silvers4 e eu estávamos sentados em uma varanda e ela me mostrou algo muito importante. Ela me disse para olhar para um carro patrulha da Polícia da Cidade de Nova York onde dois policiais estavam vendendo heroína. Ela disse, “Olhe aqueles tiras. Olhe para quem você está dando o seu dinheiro!”. O clima em nossas comunidades naquela época era muito importante. De um lado tínhamos a epidemia de drogas, mas havia algo de revolução no ar – a mudança era algo que você podia respirar, que você podia sentir o gosto, que você podia sentir, porque o movimento era muito vibrante. Alguns dias antes, no 30 de outubro, houve uma manifestação de massas convocada pelos Young Lords5 e eu participei da manifestação, mesmo ainda sendo um dependente.

Por causa da maneira como me senti naquele dia, eu disse a mim mesmo que não podia continuar sendo um usuário de droga. Eu não podia ser um dependente de heroína e um revolucionário, e eu queria ser um revolucionário. Tomei a decisão de largar o hábito das drogas. Por coincidência, naquele dia eu liguei para a Cleo, que me falou desse lugar e dessas pessoas. Eu encontrei um casal de jovens irmãos da União de Estudantes Porto-riquenhos, que me levaram até a Cleo no Lincoln Hospital. Ele tinha acabado de ser ocupado cerca de meia hora antes. Como eu já estava saindo de minha dependência, eu não me desintoxiquei no Lincoln Detox, mas me desintoxiquei sozinho, de uma vez [cold turkey], num desafio que coloquei a mim mesmo.

Saindo desta experiência eu fui recrutado pelo Young Lords Party, talvez um mês depois do primeiro dia do programa. A presença do movimento latino no movimento revolucionário nos Estados Unidos ainda não tinha ocorrido em Nova York. Isso havia acontecido no sudoeste com os Brown Berets, mas a comunidade latina em Nova York era predominantemente porto-riquenha. Quando me juntei aos Young Lords, fui designado para o Lincoln Detox onde trabalhei como conselheiro.

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↑ “O Lincoln Hospital pertence ao povo”. A partir da esquerda: Dorothea Tillie, Cleo Silvers (sentada), Pablo Guzman (sentado), Juan Gonzalez (de pé), Andrew Jackson (sentado, rosto parcialmente oculto); outras pessoas não identificadas. Uma das poucas fotos – se não a única – do Lincoln Hospital ocupado disponíveis na rede.

O que o Lincoln Detox Center fazia? Qual era a abordagem utilizada?

Nós oferecíamos desintoxicação. Tínhamos o apoio de médicos que nos forneciam metadona, que nós então fornecíamos às pessoas em doses crescentes ao longo de dez dias para que as pessoas saíssem [da heroína], substituindo a heroína por metadona e então reduzindo os miligramas a cada dia. Depois do décimo dia você estava fisicamente limpo.

Isso também foi bem na época em que Richard Nixon abriu as relações com a China. Muita coisa foi divulgada sobre o modo de vida chinês e como os serviços de saúde eram fornecidos ao povo da China. Ouvimos falar da acupuntura. Nós lemos um artigo de revista sobre a situação na Tailândia, onde um acupunturista usou a acupuntura para tratar alguém com problemas respiratórios e dependência de ópio. Nós lemos que a estimulação do ponto do pulmão na orelha foi a chave do tratamento. Fomos até a Chinatown, conseguimos agulhas de acupuntura e começamos a experimentar uns nos outros. Nós então desenvolvemos o coletivo de acupuntura no Lincoln Detox6.

Nós também entendemos que a dependência de um indivíduo não era apenas um problema físico, mas um problema psicológico. Este era um problema generalizado em nossa comunidade, não porque nós como comunidade fôssemos psicologicamente deficientes, mas porque a opressão e as condições de vida brutais nos levavam a isso. Havia um livro chamado The Radical Therapist (“O Terapeuta Radical”) que alguns de nós lemos.

Nós desenvolvemos uma terapia que integrava educação política às discussões terapêuticas. Realizamos sessões em grupo com participantes majoritariamente negros e porto-riquenhos, dedicadas a discussões sobre o que era se sentir negro ou porto-riquenho, o que significava para alguém que era chamado de “spic”7 não entender o que porto-riquenho era. O povo porto-riquenho é súdito colonial dos Estados Unidos. Você pergunta a um porto-riquenho em geral, um porto-riquenho sem consciência e ele vai dizer: “Sou um cidadão dos Estados Unidos”. Bom, você é um cidadão indesejado dos Estados Unidos, então qual é a sensação e o sentido disso? Os efeitos do colonialismo e o tratamento que os porto-riquenhos recebem do Estado não são compreendidos porque são internalizados. Você tem que começar com o significado disso. Como você se sente com a impossibilidade da sua família te prover? Por que os tiras te odeiam? Por que a escola te odeia? Eu fui à escola pública, não sabia inglês na 5ª série e fui colocado em uma classe para “deficientes mentais”. Quais são os impactos desse tipo de tratamento por parte das instituições da sociedade? O que acontece com uma pessoa que vive nessas condições, que é espancada pela polícia e chamada de “spic sujo” ou a quem é negada a amizade, porque a pessoa é branca e você é de cor? Há um impacto cumulativo desse tipo de existência e queríamos discutir isso.

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↑ Sede dos Young Lords no Bronx

Como o Lincoln Detox incorporou atividades de organização de base no decorrer de seu trabalho?

Quando você está ocupado em correr atrás de droga, correndo atrás de dinheiro para conseguir drogas, ficando louco, ou estando em um ambiente com outras pessoas que ficam loucas com você, isso se torna um modo de vida. Quando as pessoas querem alternativas, você tem que fornecê-las. Nós não tínhamos os meios para dizer: Ok, você tem 17 anos, pode se beneficiar concluindo a escola. Aqui está uma escola com professores que se importam, com conselheiros que se importam e assim por diante, para dar às pessoas a educação desejada ou encaminhá-las a um emprego, em especial as pessoas que estivessem fora da força de trabalho.

Dado o poder natural da abordagem terapêutica, era muito importante que tudo fosse voluntário, que as pessoas tivessem vontade de fazer aquilo. Se elas aprendiam alguma coisa em nosso programa educacional e nas sessões terapêuticas, queriam fazer algo a respeito desses problemas. Queríamos encaminhá-las para que se envolvessem, se engajassem em campanhas que estavam acontecendo na comunidade.

Tínhamos gente defendendo pessoas em centros sociais, capacitando pessoas sobre os direitos dos beneficiários da previdência social, e tradutores que defendiam as pessoas que falavam espanhol. Participamos da fundação de uma coalizão para trabalhadores de minorias da construção, porque o trabalho na construção era um emprego bem pago e a indústria excluía as minorias. Essas foram algumas das coisas que fizemos, além de campanhas políticas. Algumas pessoas que vieram através de nossos programas se juntaram aos Young Lords, ao Black Panther Party ou à Republic of New Afrika. Algumas se tornaram muçulmanas e se envolveram profundamente. Outras se envolveram na campanha pela libertação de presos políticos ou começaram a criar coletivos.

Nós lutamos todos os dias – lutamos pelo direito de comer, pelo direito de ser pagos, pelo direito de ser respeitados, pelo direito de não ser fodidos pela polícia. Nós nunca pedimos nada em troca.

Quais foram alguns dos pontos fortes, sucessos, desafios e debilidades?

Houve pontos fortes e sucessos ao longo do tempo, mas nem tudo foi glória. Houve um monte de desafios e debilidades. Desde o primeiro dia, 10 de novembro de 1970, tivemos um fluxo constante de pessoas todos os dias buscando ajuda. Centenas e centenas de pessoas vieram – não estou falando de uma ou duas dúzias de pessoas – assim que a notícia sobre o Lincoln Detox se espalhou, a oportunidade para as pessoas entrarem e receberem ajuda efetiva de gente comum (não de profissionais brancos mas de seu próprio povo) que tinha um coração amoroso, desenvolvendo uma compreensão das coisas que eles precisavam articular. As pessoas vinham de toda Nova York, Long Island, Nova Jersey também. O programa Lincoln Detox tornou-se tão bem sucedido e eficaz que uma delegação das Nações Unidas nos visitou e reconheceu isso.

Naquele momento a acupuntura se tornou polêmica porque se tratava de pessoal “não-médico” prestando cuidados médicos. Então leis foram aprovadas a respeito de quem poderia praticar a acupuntura, fazendo com que só pudesse ser feita sob a supervisão de um médico que talvez nem tivesse a mínima ideia do que era a acupuntura. As lutas políticas – para manter o financiamento do programa, para manter o programa funcionando, contra a polícia local assim como a polícia do hospital que continuamente tentavam entrar no programa (o Lincoln Detox era um refúgio onde dependentes podiam ir sem medo da polícia) – foram grandes desafios. Em seguida lutamos para que o hospital cobrisse as despesas com as refeições para o programa. As pessoas vinham das ruas, não tinham nada para comer e precisavam de tratamento. Nós lutamos e, finalmente, conseguimos.

Nós também lutamos para desenvolver nossa habilidade no tratamento, acupuntura e desintoxicação. No momento em que iniciamos o programa, houve um grande pressão para a manutenção da metadona como uma forma de tratamento. A metadona é uma droga assustadora desenvolvida originalmente por cientistas nazistas com o fim de lhes fornecer opiáceos É altamente viciante e seu abandono é diferente daquele da heroína. As pessoas lentamente desenvolveram um protocolo para a desintoxicação da metadona. Podíamos desintoxicar uma pessoa da heroína em dez dias e ela ficava bem fisicamente. A metadona era muito dolorosa por muitos meses – três ou quatro, às vezes.

A existência do programa foi uma pedra no sapato do governo. Éramos revolucionários e radicais trabalhando, recrutando pessoas para fazer um trabalho que o governo não queria que acontecesse.

Uma manhã em 1979 nós chegamos para trabalhar e o Lincoln Hospital estava cercado pela polícia verificando a identificação de todo mundo que entrava. Eles tinham uma lista de nomes e os membros dos Young Lords, do Black Panther Party e Republic of New Afrika eram impedidos de entrar nas instalações e presos se tentassem entrar. Eles desmantelaram o Lincoln Detox. Um componente no qual eles estavam muito interessados era a acupuntura, porque era uma fábrica de dinheiro. Algumas pessoas hoje dizem que o Lincoln Detox ainda existe, mas isso não é verdade. Há uma clínica de acupuntura no Lincoln Hospital, mas o programa foi desmantelado.

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↑ Panfleto do HRUM, organização de trabalhadoras e trabalhadores da saúde, integrante do Think Lincoln Committee.

A colaboração entre diferentes grupos como os Young Lords, o Black Panther Party, a Republic of New Afrika e comunidades muçulmanas foi espontânea, automática, ou um esforço mais intencional para desenvolver o programa?

Esta é uma questão profunda. Há o princípio básico de unidade e respeito e há a realidade de que todos éramos obras em andamento. Não é como se você fosse uma noite dormir como um drogado e acordasse na manhã seguinte um revolucionário. Há um processo de crescimento e mudança. Como produtos da sociedade atual, não somos exemplos da sociedade que estamos construindo para o amanhã.

Colaboração e solidariedade eram muito importantes para o Lincoln Detox e ocorreram muitas lutas. Considerávamos o Black Panther Party a vanguarda do movimento revolucionário daquela época. E havia a realidade de que o Black Panther Party estava se desintegrando. Havia algumas pessoas no Black Panther Party e nos Young Lords que eram extremamente arrogantes. Tínhamos que lutar contra e combater essas tendências. Voltávamos sempre ao princípio de ver qual é o melhor interesse do povo. O resultado era muito positivo e aprendemos muito uns com os outros. Em 1973, quando o American Indian Movement entrou em confronto com o FBI em Wounded Knee, na Reserva Pine Ridge em Dakota do Sul, não tivemos dúvidas. Era nossa responsabilidade apoiar e nos engajar naquilo. Desenvolvemos uma filosofia, uma prática que nos tornava possível fazer aquelas coisas.

Que lições foram aprendidas que podem fortalecer o trabalho hoje?

Eu acho que muito do trabalho de organização que acontece hoje em dia é financiado. Você não ouve a respeito de muitas iniciativas que são esforços independentes. Uma das coisas das quais o Lincoln Detox foi parte importante foi o apoio aos irmãos da Attica durante a ocupação da Penitenciária de Attica em setembro de 1971. Fizemos umas vinte e poucas manifestações em 15 dias por toda Nova York. Nós não tínhamos a internet ou telefones celulares ou máquinas copiadoras financiadas por instituições nem nada disso. Nós nos apressávamos para datilografar panfletos, recortávamos e colávamos fotos, queimávamos estênceis.

Nós construímos um movimento e buscamos maneiras de fazer o movimento sobreviver sem financiamento do governo. Ninguém podia nos dizer o que iríamos fazer. Hoje se depende muito de verbas de fundações, e as pessoas se concentram no dinheiro e não em se engajar em campanhas. Apesar de termos forçado o governo a respaldar durante anos o nosso trabalho, no final eram eles que tinham o poder e nos botaram para fora. Nós não tínhamos o poder para continuar aquela instituição. Se nós não estivéssemos em suas instalações, ele poderiam nos calar? Eu não sei, mas a coisa poderia ter sido diferente.

Precisamos reconhecer que não podemos ter instituições dentro das instituições. Quero dizer que nós finalmente acabaríamos, de uma forma ou outra, do jeito que o Lincoln Detox acabou. Temos que pensar em termos de esforços de curto e de longo alcance. Como se livrar das prisões sob o imperialismo? Você tem que se livrar do imperialismo. Nesse meio tempo você pode levar lutas que podem levar a algumas reformas e que precisam ser estudadas e discutidas.

Podemos olhar para isso de um ponto de vista humanitário e ver que salvamos e mudamos muitas vidas, pessoas que teriam sido mortas com a heroína. Eu sou uma delas, uma de um monte de pessoas. Um monte de pessoas passaram a contribuir para o progresso, mas ao mudar o mundo os obstáculos também mudam. Depois da heroína veio o crack. Nós não paramos o flagelo das drogas em nossa comunidade.

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↑ Manifestação em apoio ao Lincoln Detox, final da década de 70

Quais são alguns dos legados ou impactos de longo prazo do Lincoln Detox Center?

Modestamente, eu não acho que haveria um novo Lincoln Hospital sem o nosso trabalho. Se não fossem as lutas que levamos, o novo Lincoln Hospital nunca teria sido construído, porque os interesses políticos não tinham nada a ver com os interesses das pessoas da comunidade. Tivemos que lutar para colocar os interesses da comunidade na linha de frente e exigir que aquele hospital fosse construído. Quando eles fecharam o velho hospital e se mudaram para o novo Lincoln Hospital, fizeram um espaço para cada departamento, exceto para o Lincoln Detox. O legado vai além disso, também. Se você entrar em qualquer hospital público de Nova York, vai ver o Código de Direitos do Paciente na parede. Isso surgiu na primeira ocupação do Lincoln Hospital. Tornamos isso realidade no Lincoln Detox.

Vicente “Panama” Alba foi membro do Young Lords Party e conselheiro do Lincoln Detox Center no South Bronx, Nova York, na década de 1970. Hoje vive em Porto Rico.

Molly Porzing é membro da Critical Resistence, de Oakland, e editora de The Abolitionist.

Notas —————–

1Em 1978 o American Friends Service Committee informou que as condições de vida no South Bronx eram similares às dos países subdesenvolvidos: 30% da força de trabalho disponível está desempregada. A taxa de mortalidade infantil é maior que a de Hong Kong. A expectativa média de vida é mais baixa que a do Panamá. A renda média per capita em 1974, de acordo com o HUD, era de 2.340 dólares, ou 40% da média nacional dos Estados Unidos (informe citado aqui)

2No original, “communities of color”. A expressão “people of color” (POC) designa toda pessoa que não incluída na categoria “caucasian”, branco. Foi incorporada pelos movimentos de libertação, e não corresponde ao eufemismo racista “pessoa de cor”, amplamente utilizado por aqui em tempos passados.

3Carmen Rodríguez, porto-riquenha de 31 anos, foi a primeira mulher a morrer no Estado de Nova York em consequência de um aborto legal, no dia 1 de junho de 1970, dezoito dias após a lei estadual que legalizava o aborto ter entrado em vigor. Este acontecimento trágico contribuiu para que as mulheres do Young Lords Party consolidassem um discurso original a favor dos chamados direitos reprodutivos, que enfatizava a necessidade das pessoas não-brancas pobres controlarem as instituições de saúde locais e das mulheres controlarem seu próprio corpo. A luta das mulheres no interior do Young Lords Party fez com que a organização, ao contrário de grupos como o Black Panther Party ou a Nação do Islã, assumisse posições a favor do aborto e de métodos contraceptivos. A inclusão de posições explicitamente feministas como pontos centrais do programa do Young Lords Party foi uma conquista das mulheres dessa organização que, em sua fase inicial, chegou a advogar um suposto “machismo revolucionário” (mais sobre o tema aqui).

4Cleo Silvers: ativista negra histórica, chegou ao Bronx em 1967 como parte do VISTA, programa governamental de combate à pobreza. No bairro, Cleo imergiu totalmente na cultura local, aprendeu a falar o espanhol e participou dos programas sociais dos Young Lords e dos Panteras Negras. Em 1970 era funcionária do setor de saúde mental do Lincoln Hospital e ativa no Think Lincoln Collective e no Health Revolutionary Unity Movement. Mais tarde trabalharia com os trabalhadores da indústria automobilística em Detroit, como membro da League of Revolutionary Black Workers e do Black Workers Congress.

5No dia 30 de outubro de 1970 o Young Lords Party organizou uma manifestação com aproximadamente 10 mil pessoas na sede da ONU, exigindo a independência de Porto Rico.

6Por sua vez, Mutulu Shakur, membro-fundador da Republic of New Afrika que participou ativamente do Lincoln Detox e hoje é um dos muitos presos políticos dos Estados Unidos, relaciona a introdução da acupuntura no programa ao contato que tinham com a I Wor Kuen, o equivalente chinês dos Panteras Negras ou dos Young Lords, surgido na Chinatown de Nova York em 1969.

7Termo pejorativo para pessoas de origem hispânica, que teria surgido da frase “No spic english”, usada pelos imigrantes recém-chegados.