A Cozinha Maravilhosa da Bispa Maceda

Maceda, a cozinheira do Cochabamba Hotel – que, além de quituteira do cordon bleu, é também bispa da Igreja Multiversal dos Últimos Dias do Capitaloceno – recentemente criou na dark web um blogue de baixa gastronomia, com receitas de hóspedes que passaram por este glorioso hotel nos últimos 12 anos. A Cozinha Maravilhosa da Bispa Maceda pode ser acessada via TOR no endereço ☛http://bispamaceda.torpress2sarn7xw.onion

Contra-antidesintermediação

Dmytri Kleiner

No capítulo 33 d’O Capital, Karl Marx nos apresenta a personagem do sr. Peel, descrita na obra England and America: A Comparison of the Social and Political State of Both Nations, de E. G. Wakefield. Embora a história do sr. Peel seja própria do colonialismo do início do século XIX, ela nos ajuda a entender o que a internet e a chamada economia do compartilhamento se tornaram.

O sr. Peel vai ao rio Swan, na Austrália, em busca de fortuna. Levou tudo o que um capitalista aspirante precisaria para começar a acumular mais-valia e se tornar um grande capitalista: trezentas pessoas, incluindo homens, mulheres e crianças, que forneceriam a mão-de-obra e sua reprodução, junto com £ 50.000, uma grande soma para época.

No entanto, as coisas não funcionaram para o sr. Peel, como concluiu Marx: “Desditoso sr. Peel, que previu tudo, menos a exportação das relações inglesas de produção para o rio Swan!”.

Uma vez chegando ao rio Swan, as trezentas pessoas simplesmente se dispersaram e se estabeleceram na grande quantidade de terras livres disponíveis, e “o sr. Peel ficou sem nenhum criado para fazer sua cama ou buscar-lhe água do rio”.

Ele descobriu que o capital não é uma coisa, mas uma relação social entre as pessoas, estabelecida pela instrumentalidade das coisas.

Como Marx ainda explica, “a propriedade de dinheiro, meios de subsistência, máquinas e outros meios de produção não confere a ninguém a condição de capitalista se lhe falta o complemento: o trabalhador assalariado, o outro homem forçado a vender a si mesmo voluntariamente”.

Marx argumenta que “os meios de produção e de subsistência, como propriedades do produtor direto, não são capital. Eles só se tornam capital em condições sob as quais servem simultaneamente como meios de exploração e de dominação do trabalhador”.

A classe capitalista do sr. Peel não estava satisfeita com sua própria capacidade de expandir seu modo de produção nas colônias, e encontrou uma solução no cercamento, descrito por Wakefield como “colonização sistemática”,

A terra foi confiscada por lei como propriedade pública e privatizada, sem terras livres disponíveis. Somente aqueles com riquezas poderiam ser proprietários, e assim todo mundo teria que vender seu trabalho aos capitalistas.

A Internet no início era como o rio Swan. Como pode o moderno sr. Peel ganhar dinheiro operando plataformas de Internet, se qualquer pessoa pode fazer isso? Se todos os softwares e redes fossem abertos e amplamente disponíveis, ninguém poderia realmente ter um lucro significativo. Se os meios de produção estão disponíveis para todas as pessoas, então não pode haver capital.

Como as colônias, a Internet precisava ser sistematicamente colonizada para criar as condições necessárias para o capital. Isso também foi realizado por cercamento. A infraestrutura original foi tomada e colocada sob o controle do capital, e os sistemas descentralizados foram substituídos por outros centralizados.

As plataformas de “mídia social” e de “compartilhamento” são duas formas dessa centralização, dois modelos de negócios para o capitalismo de plataforma.

Mais-valia x Superlucro

É tentador olhar para sites como o Facebook e o YouTube e concluir que eles obtêm seus lucros explorando seus próprios usuários, que geram todo o conteúdo que torna esses sites populares. No entanto, não é este o caso, já que a mídia não é vendida e, portanto, não obtém lucro e não captura nenhum valor.

O que se vende é a publicidade, portanto os clientes pagantes são os anunciantes, e o que se vende são os próprios usuários, e não seu conteúdo.

Isso significa que a fonte de valor que se torna o lucro do Facebook é o trabalho realizado por trabalhadores nos campos e fábricas globais, que estão produzindo as mercadorias anunciadas para o público do Facebook.

Os lucros dos monopólios de mídia se formam depois que o valor excedente já foi extraído. Seus usuários não são explorados, mas submetidos, capturados como audiência e instrumentalizados para extrair excedentes de outros setores da classe proprietária.

Empresas da economia de compartilhamento, como a Uber ou a Airbnb, que não possuem veículos ou imóveis, capturam lucros dos operadores dos carros e apartamentos para os quais fornecem mercado.

Nenhum desses modelos de negócios é muito novo. As empresas de mídia que vendem a mercadoria audiência são pelo menos tão antigas como a rádio comercial. Proprietários de mercado, que capturam renda de quem vende no mercado, têm estado conosco há séculos.

Em vez de subverter o capitalismo, as plataformas de “compartilhamento” foram capturadas por ele.

Arquitetura Orientada ao Consentimento

As plataformas capitalistas baseadas na venda de mercadoria audiência e na captura de renda de mercado exigem um sacrifício de privacidade e autonomia.

A mercadoria audiência, como todas as mercadorias, é vendida por medida e categoria. Ovos são vendidos por dúzia na categoria “A”. Um anunciante pode comprar mercadoria audiência em milhares de cliques de homens brancos de meia-idade que possuem um carro e têm uma boa classificação de crédito, num certo volume – por exemplo, 10.000 cliques.

A mercadoria audiência é classificada pelo que se conhece sobre a demografia da audiência. Plataformas com modelos de negócios que vendem mercadoria audiência exigem vigilância. Da mesma forma, plataformas que capturam renda do mercado coletam dados extensivos sobre seus usuários e fornecedores para maximizar a rentabilidade da plataforma.

Um sacrifício obrigatório do consentimento é exigido para usar as plataformas. Quando um usuário compartilha informações na plataforma, ele pode consentir em compartilhar essas informações com determinadas pessoas, mas não necessariamente consentiu que essas informações estejam à disposição dos funcionários da plataforma, dos anunciantes, ou dos parceiros comerciais e dos serviços de informação do Estado. No entanto, para a maioria dos usuários não há alternativas práticas, e eles devem sacrificar esse consentimento para usar a plataforma.

As corporações criadas para maximizar os lucros são incapazes de criar plataformas consensuais. Seu modelo comercial depende fundamentalmente da vigilância e do controle comportamental.

Plataformas consensuais verdadeiras devem ter a privacidade, a segurança e o anonimato como recursos principais. A forma mais eficaz de garantir consentimento é garantir que todos os dados do usuário e o controle de toda a interação do usuário residam no software que está sendo executado no próprio computador do usuário e não em qualquer servidor intermediário.

Contra-antidesintermediação

Em seu blogue, Wendy M. Grossman escreve: “A ‘desintermediação’ foi uma das palavras-chave do início da década de 1990. A rede eliminaria os intermediários, permitindo que todos lidássemos diretamente uns com os outros”. Hoje, a paisagem é dominada por ISPs muito maiores e em um número muito menor, cujas conexões fixas são muito mais rastreáveis e controláveis. Pensávamos muito na criptografia como proteção da privacidade e, agora penso, pouco sobre o potencial sem precedentes de escuta endêmica possibilitada por uma Internet cada vez mais centralizada.

A ideia de desintermediação foi fundamental para as visões emancipadoras da Internet, mas a paisagem hoje é mais mediada que nunca. Se quisermos pensar mais sobre as consequências de uma Internet cada vez mais centralizada, precisamos começar abordando a causa dessa centralização. A internet foi colonizada por plataformas capitalistas; a centralização é necessária para capturar lucros. As plataformas de desintermediação foram, em última instância, reintermediadas por investidores capitalistas, ditando que os sistemas de comunicação devem ser construídos para capturar lucros.

A falha foi, até certo ponto, resultado da arquitetura do início da Internet. Os sistemas que as pessoas usavam no início da Internet eram, principalmente, cooperativos e descentralizados, mas não eram de ponta a ponta. Os usuários de e-mail e da Usenet, as duas plataformas mais usadas, geralmente não operavam seus próprios servidores em seus próprios computadores locais, mas dependiam de servidores executados por terceiros.

Servidores precisam de manutenção. Os operadores precisam financiar hospedagem e administração. À medida que a Internet crescia além de sua relativamente pequena base inicial, o serviço passou a ser fornecido por corporações capitalistas, em vez de instituições públicas, pequenas empresas ou universidades. Os serviços abertos e descentralizados vieram a ser substituídos por plataformas privativas e centralizadas. Os interesses de lucro dos financiadores da plataforma resultaram em uma política de antidesintermediação.

Assim como a colonização sistemática foi desenvolvida para estabelecer o modo de produção capitalista nas colônias, a antidesintermediação foi desenvolvida para colonizar o ciberespaço.

A estratégia básica de antidesintermediação foi formulada por economistas como Carl Shapiro e Hal R. Varian. Seu influente livro Information Rules encoraja os proprietários de plataforma a buscar o “lock-in”. Como eles resumem em seu site, “como os produtos de tecnologia da informação trabalham em sistemas, mudar qualquer produto pode custar caro para o usuário. O lock-in resultante desses custos de mudança confere uma enorme vantagem competitiva às empresas que gerenciam efetivamente sua base de clientes”.

Seu conselho foi bem recebido. Varian é atualmente o economista-chefe da Google, enquanto Shapiro foi vice-procurador assistente de economia do Departamento de Justiça.

Voltar a uma arquitetura do início da Internet, com servidores cooperativos e descentralizados, como o Diaspora, o GNU Social e outros projetos estão tentando fazer, não vai funcionar. Esta é precisamente a arquitetura que a antidesintermediação foi projetada para derrotar.

Sistemas descentralizados devem ser projetados para ser contra-antidesintermediacionistas.

Central para o desenho contra-antidesintermediacionista é o princípio ponto-a-ponto [peer to peer]; as plataformas não devem depender de servidores e administradores, mesmo quando executadas de maneira cooperativa, mas devem, na medida do possível, ser executadas nos computadores dos usuários dessas plataformas.

A capacidade computacional e o acesso à rede dos próprios computadores dos usuários devem constituir os recursos da plataforma, de modo que, no rateio, cada novo usuário adicione à plataforma mais recursos que consuma.

Ao mantermos a capacidade computacional nas mãos dos usuários, evitamos que a plataforma de comunicação se torne capital, e impedimos que os usuários sejam instrumentalizados como mercadoria audiência.

Assim, deixamos o sr. Peel tão desditoso no ciberespaço quanto estava no rio Swan, resistindo à colonização de nossas plataformas de comunicação pelo capital de risco, e preparando o caminho para o comunismo de risco.

Tradução puerca das Macacas Idosas do Instituto Geriátrico Puerco Suíno

O texto em inglês está neste livro

Mais Dmytri Kleiner & comunismo de risco ☛ Telekommunisten

Por que a inclusão trans nas Forças Armadas é uma luta equivocada?

Já que mais ninguém fala nada a respeito e não ouvimos nenhuma voz dissonante no coro da esquerda de boa consciência que, lá como cá, se apressou em prestar solidariedade às gentes trans da Gringolândia em seu sagrado direito de participar das guerras imperiais mundo afora, fomos obrigadas a traduzir [malepuercamente, pra variar…] mais um texto de Mattilda Berstein Sycamore sobre o tema. O primeiro está aqui. O título deste é Swords Into Marketshare – não fazemos ideia de como ficaria isso em portugay… quem souber, que se habilite. Seguiremos aqui no asilo do Puerco Suíno, sonhando com a insurreição translésbicha preta e anticapitalista que nunca veremos, mas virá. [MI do IGPS]

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Por que a inclusão trans nas Forças Armadas é uma luta equivocada?

Mattilda Bernstein Sycamore no The Baffler de 21 de setembro de 2017

Em 26 de julho de 2017, o presidente Trump anunciou (no Twitter, claro) que proibiria as pessoas trans de servir nas Forças Armadas dos Estados Unidos, um ano após Obama ter revogado a proibição. Imediatamente, imaginei comemorações espetaculares em cidades por todo o país, onde pessoas trans – e qualquer pessoa com consciência – se reuniriam para dar as boas-vindas a essa notícia com uma extravagante oposição ao militarismo em todas as suas formas. Talvez a transgressão de gênero pudesse, afinal, derrubar o Estado!

Finalmente, aqui estava o primeiro passo do plano de três pontos para dramáticas mudanças estruturais, nos sendo entregue de bandeja:

Passo 1: Proibir pessoas trans de servir nas Forças Armadas.

Passo 2: Proibir todas as pessoas de servir nas Forças Armadas.

Passo 3: Proibir as Forças Armadas.

Com apenas esses três simples passos, poderíamos liberar recursos para financiar tudo o que já sonhamos para este país: acesso universal à moradia e à saúde, garantia de renda mínima, refúgios para crianças queer e trans que escapam de lares abusivos – tudo o que você puder imaginar. Com a redistribuição das centenas de milhões de dólares destinados anualmente às Forças Armadas (quase metade de todo o orçamento federal), com certeza a palavra de ordem “Um mundo melhor é possível” pode se tornar algo mais que uma frase inspiradora.

Infelizmente, porém, as instituições dominantes que se autorrotulam como “o movimento LGBT” estão há tempos obcecadas com o acesso ao poder estatal (e hétero), em vez de desafiarem a violência estrutural. Desde o início da década de 1990, quando o fim da proibição de soldados abertamente homossexuais se tornou um objetivo central desse movimento, os chamados líderes LGBT e seus aliados se enrolaram na bandeira de listras e estrelas, enquanto os Estados Unidos destruíam o Iraque, o Afeganistão, o Paquistão, a Somália, a Síria, o Iêmen e sabe-se lá quantos países mais – tudo isso enquanto financiavam a guerra israelense contra os palestinos, apoiavam inúmeros regimes despóticos, saqueavam recursos naturais indígenas, envenenavam a terra, o ar e a água, doutrinavam jovens para uma vida de brutalidade e trauma.

Muita gente queer sabe, com certeza, o que é sobreviver ao trauma, certo? E, no entanto, o foco principal do movimento LGBT tem sido lutar pelo “direito de servir” à agenda imperial das Forças Armadas dos EUA, e não a necessidade de desafiar sua tirania no país e no exterior. Um dia após Trump anunciar a iminente proibição, eu liguei no Democracy Now, minha fonte diária de notícias, e assisti a uma entrevista com uma mulher descrita como o “primeiro membro da infantaria a se revelar transgênero”. Assisti com horror como ela exaltou as glórias das Forças Armadas dos EUA durante quinze minutos, sem que nenhuma pergunta séria fosse feita: “Eu amo meu país, só quero continuar a servir”, afirmou, naquela que é, indiscutivelmente, uma das fontes de notícias da esquerda antiguerra mais importantes e de maior audiência em todo o mundo.

Com dezoito anos de serviço militar, incluindo três idas em missão ao Afeganistão, ela acrescentou: “Nas Forças Armadas, nos concentramos no desempenho no trabalho. E é só isso que importa, o quanto você pode fazer bem o seu trabalho”. Ninguém perguntou: como alguém cujo trabalho é literalmente atirar nas pessoas, o que exatamente você quer dizer com desempenho no trabalho?

Depois dessa entrevista, um homem trans atualmente estacionado em Kandahar, no Afeganistão, declarou: “Eu gosto de estar mobilizado porque posso ser autêntico, sou só mais um cara… para mim, é como estar de férias, porque posso ser eu mesmo, em um ambiente tão austero”. Ao contrário da matéria anterior, esta não era uma entrevista ao vivo. Era um clipe pré-selecionado de um documentário do New York Times sobre soldados trans. Todas as pessoas responsáveis pela matéria já o haviam assistido antes, e disseram sim, isso realmente é algo legal para ser apresentado! Devemos acreditar que o Democracy Now vê uma missão militar no Afeganistão como umas férias da transfobia?

Durante décadas, a esquerda ignorou as vidas queer e trans, e agora que de vez em quando incorpora nossas vozes (sim, fui já convidada algumas vezes no Democracy Now), ela com frequência é das mais conservadoras. A matéria do Democracy Now foi atroz, mas o resto da esquerda, ao cobrir esta questão, muitas vezes é tão ruim quanto. Tome uma recente manchete do Mother Jones, “Cadetes Transgêneros ainda esperam sua chance de servir” – ou esta do Huffington Post: “Senador que perdeu as duas pernas no Iraque ataca a proibição aos militares transgêneros de Trump”.

Depois de transmitir vinte minutos de vozes trans enaltecendo o serviço militar, o Democracy Now pelo menos permitiu que o acadêmico trans Dean Spade articulasse críticas substantivas – mas só em uma conversa com o cineasta que achou inspirador destacar um cara trans que acha que a guerra é uma viagem de férias.

Vez ou outra, ouvimos essa mesma retórica pró-guerra sobre a inclusão trans nas Forças Armadas dos EUA ao lado de coberturas detalhadas das guerras dos EUA que aterrorizam os povos ao redor do mundo. É como se a esquerda nem percebesse a contradição.

A presença incessante de gente gay, queer e trans pró-Forças Armadas na mídia antiguerra de esquerda é sintomática da homo/transfobia estrutural que rotineiramente se manifesta neste tipo de tokenismo retrógrado. Estas são as mesmas vozes que a imprensa e os políticos chamam de porta-vozes do rótulo “movimento LGBT”. Esse estratagema reformista retrógrado tem sua base de poder no grupo lobista de Washington DC denominado Human Rights Campaign, que há muito se centra no casamento e na inclusão militar, em vez de desafiar as instituições de opressão dominantes. Para essa elite acomodada no poder, os principais problemas são sempre as isenções fiscais e os direitos de herança, em vez do acesso universal à satisfação das necessidades básicas. Com o fim da proibição de soldados abertamente gays nas Forças Armadas dos EUA, em 2011, e o casamento gay tornando-se lei quatro anos depois, o movimento assimilacionista LGBT havia alcançado seus dois objetivos principais e buscava novas fontes de financiamento e uma outra “questão” que pudesse ampliar seu status dentro do status quo.

Durante anos, ativistas trans e queers exigiram que o “T” do LGBT representasse algo mais que um enfeite em bairros gays gentrificados que expulsam qualquer pessoa que não queira ou não possa se sujeitar às normas da classe média branca. Mas agora que o T se tornou mais visível, nos presenteiam com o horroroso espetáculo do serviço militar trans como o ingresso para a aceitação.

A questão da inclusão trans nas Forças Armadas dos EUA não era sequer colocada até que Jennifer Pritzker, descrita como a primeira trans bilionária, doou US$1,35 milhão ao Palm Center para o estabelecimento da Transgender Military Iniciative (“Iniciativa Militar Transgênero”), em 2014. Aparentemente, US$ 1,35 milhão é o número mágico que leva sua questão ao centro do assim chamado movimento, já que de repente a inclusão trans nas Forças Armadas dos EUA se tornou a bola da vez na agenda LGBT. (Se o nome Pritzker lhe parece familiar, é porque ela é membro da notória família Pritzker, cuja fortuna foi construída com especulação imobiliária e informações privilegiadas, e que teve uma outra integrante, Penny Pritzker, nomeada Secretária do Comércio de Barack Obama.).

A luta pela inclusão trans nas Forças Armadas toma emprestada a retórica de mais de duas décadas em apoio a homossexuais nas Forças Armadas, mas, em muitos aspectos, pode ser ainda pior, já que as pessoas trans não têm nem uma fração do acesso ao poder que gays tinham há vinte e cinco anos, quando o debate gays-nas-forças-armadas foi para o palco central da política nacional. As pessoas trans rotineiramente são expulsas de suas famílias de origem, assediadas na escola e no trabalho, perseguidas por líderes e políticos religiosos e atacadas nas ruas simplesmente por ousarem existir. Às pessoas trans muitas vezes é negado o acesso a serviços básicos, como saúde e moradia, elas são demitidas ou nunca contratadas, e forçadas a escapar dos lugares onde cresceram simplesmente para sobreviver. As mulheres trans, em particular as mulheres trans não-brancas, têm uma taxa de assassinatos brutais surpreendente.

Como o movimento LGBT responde a esse padrão assustador de violência e exclusão sistêmicas? Favorecendo o serviço militar como o caminho para a assimilação – que maneira melhor para provar que as pessoas trans são “saudáveis” e “aptas para o emprego” que participando da guerra pelo lucro das corporações? Dizem-nos que o serviço militar é um “direito humano”, como se os direitos humanos das pessoas nas aldeias destruídas por ataques de drones não importassem. E agora nos dizem que as Forças Armadas dos EUA são o maior empregador de pessoas trans e que as pessoas trans precisam desses empregos! Não importa que essa informação se baseie inteiramente em um estudo que analisou o levantamento demográfico de uma amostra de pessoas trans e, em seguida, extrapolou os números de pessoas trans servindo nas Forças Armadas. Isso é tudo – de repente, porque uma das questões da pesquisa perguntava à pessoa entrevistada se ela já havia estado nas Forças Armadas (mas não quando ou por quê), ouvimos as Forças Armadas sendo descritas como algum tipo de refúgio para pessoas trans em vez de uma instituição perversa que drena recursos de tudo o que realmente importa.

Em vez de chamar a atenção para as condições estruturais que tornam o serviço militar uma trágica opção para algumas pessoas tão desesperadas para escapar da opressão, que a internalizam, e por fim a expandem, o movimento LGBT eleva o serviço militar ao padrão ouro da bravura. Por que as pessoas à esquerda papagueiam a especulação absurda e não comprovada de que as Forças Armadas são o maior empregador de pessoas trans como se isso fosse um fato, reforçando o militarismo em vez de desafiá-lo?

Em qualquer caso, por que basear um estudo inteiro em adivinhar quantas pessoas trans estão nas Forças Armadas? Porque a inclusão militar era seu único objetivo. Caso contrário, haveria estimativas do número de pessoas trans em outras atividades, ou mesmo em outros setores públicos, certo? Um ponto de referência muito mais importante seria examinar o número de pessoas trans presas no sistema carcerário dos EUA e compará-lo com as Forças Armadas, uma vez que estes são bastiões gigantescos e superfinanciados do complexo prisional-industrial. Se, como indicam os registros atuais, há cerda de 1,3 milhão de pessoas no serviço ativo das Forças Armadas dos EUA, e aproximadamente 2,3 milhões de pessoas nas prisões dos EUA – e sabemos que as pessoas trans, e as mulheres trans em particular, especialmente mulheres trans não-brancas, estão sobrerrepresentadas no sistema penitenciário – então garanto que há muito mais pessoas trans nas prisões que nas Forças Armadas dos Estados Unidos. Mas quem vai querer me dar US$ 1,35 milhão para chegar a essa conclusão?

Há tanta dissonância cognitiva quando dizem que apoiam a inclusão trans nas Forças Armadas dos EUA, mas não a guerra… Para quê, exatamente, eles pensam que as Forças Armadas são? A mesma linha nociva de pensamento mágico assume o controle quando dizem que as Forças Armadas ajudam as pessoas trans a escapar da pobreza – e então não conseguem explicar as inúmeras maneiras pelas quais as Forças Armadas geram pobreza e, em seguida, empurram as pessoas marginalizadas para servir. Ninguém deve ter que se tornar parte de uma instituição assassina para escapar de um lar ameaçador, para pagar a faculdade ou sair de uma cidade sem futuro. No entanto, é isso que o movimento LGBT anuncia como progresso.

E se tivéssemos um movimento LGBT que ajudasse as pessoas trans presas às Forças Armadas a sair de lá – a desaprender sua doutrinação e encontrar formas sustentáveis de autocuidado e cuidados comunitários? E se tivéssemos um movimento LGBT que estivesse centrado em tirar pessoas trans – e todas as pessoas – da prisão, em vez de fazê-las entrar nas Forças Armadas? Se a esquerda pudesse ver a diferença entre tokenismo e transformação, estaríamos muito mais perto de alcançar mudanças estruturais significativas.

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Viajando com Foucault

Esses gringos falam muita bobagem na entrevista, mas a ideia de Foucault tomando ácido no Vale da Morte por si só é maravilhosa. [makakas idosas do IGPS dixit]

Michel Foucault no Vale da Morte: uma entrevista da Boom com Simeon Wade

Boom California em 10 de setembro de 2017

Simeon Wade

Heather Dundas

Nota do Editor: Michel Foucault (nascido Paul-Michel Foucault, em 1926) foi um dos pensadores centrais da segunda metade do século XX. Nem filósofo tradicional, nem historiador por formação, Foucault analisou a interseção de verdade e história através das dinâmicas históricas específicas de poder.

Na França, Foucault foi uma figura importante no pensamento estruturalista da década de 1960 e nos anos seguintes. No entanto, nos Estados Unidos, especialmente na cultura popular, Foucault muitas vezes é considerado um instigador do movimento da “teoria francesa” que varreu as universidades americanas nas décadas de 1970 e 80. Frequentemente controversas, as análises de Foucault sobre os usos do poder na sociedade, assim como suas preocupações com a sexualidade, os corpos e as normas foram fundamentais no desenvolvimento das teorias feminista e queer.

Um dos primeiros seguidores do pensamento de Foucault foi Simeon Wade, professor-assistente de História na Claremont Graduate School. Nativo do Texas, Wade mudou-se para a Califórna em 1972, depois de obter seu doutorado em história intelectual da civilização ocidental em Harvard, no ano de 1970. Em 1975, Foucault foi convidado para ir à Califórnia ensinar em um seminário da Universidade da Califórnia em Berkeley. Após uma palestra, Wade e seu parceiro, o músico Michael Stoneman, convidaram Foucault a acompanhá-los em uma viagem ao Vale da Morte. Depois de alguma persuasão, Foucault concordou. A viagem memorável ocorreu duas semanas depois. Esta entrevista foi conduzida por Heather Dundas em 27 de maio de 2017, e foi editada em seu tamanho, clareza e precisão histórica.

Boom: o que você pode nos falar sobre a foto acima?

Simeon Wade: Tirei a foto com minha câmera Leica em junho de 1975. A fotografia mostra as montanhas Panamint, as salinas do Vale da Morte e as dunas congeladas no Zabriskie Point. Em primeiro plano, duas figuras: Michel Foucault, de gola olímpica branca, sua roupa sacerdotal, e Michael Stoneman, que foi meu parceiro de vida.

Boom: Como você foi parar no Vale da Morte com Michel Foucault?

Wade: Eu estava realizando um experimento. Eu queria ver [como] uma das maiores mentes da história seria afetada por uma experiência que nunca havia tido antes: tomar uma dose apropriada de LSD clínico em um ambiente deserto de grande magnificência e, em seguida, juntar a isso vários tipos de entretenimento. Estivemos no Vale da Morte por dois dias e uma noite. Este é um dos locais que visitamos durante esta viagem.

Boom: O que você pode dizer sobre esta fotografia? Foucault e Stoneman já estavam viajando quando ela foi tirada? E não fazia um calor inacreditável, no Vale da Morte em junho?

Wade: Sim. Nós subimos para a ocasião, por assim dizer, numa área chamada Artist’s Palette. E sim, estava muito quente. Mas à noite, esfriava, e você pode ver Foucault com sua gola olímpica no ar fresco. Fomos ao Zabriskie Point para ver Vênus aparecer. Michael colocou caixas de som ao nosso redor, já que não havia mais ninguém lá, e ouvimos Elisabeth Schwartzkopf cantar as Quatro Últimas Canções, de Richard Strauss. Vi lágrimas nos olhos de Foucault. Entramos em uma das cavidades e deitamos de costas, como no vulcão de James Turrell1, e observamos Vênus aparecer e, depois, as estrelas. Ficamos no Zabriskie Point por cerca de dez horas. Michael também tocou Three Places in New England, de Charles Ives, e Kontakte, de Stockhausen, junto com alguma coisa de Chopin… Foucault tinha uma apreciação profunda da música; um de seus amigos de faculdade foi Pierre Boulez2.

Boom: essa é uma verdadeira playlist. Mas por que LSD?

Wade: A revelação de São João na Ilha de Patmos, dizem alguns, foi inspirada pela Amanita muscaria. O LSD é um equivalente químico da potência alucinógena desses cogumelos. Muitas das grandes invenções que tornaram possível a civilização ocorreram em sociedades que usavam cogumelos mágicos em seus rituais religiosos3. Então, pensei, se isso for verdade, se o composto químico tiver tal poder, então o que isso vai fazer com a grande mente de Foucault?

Boom: Mas por que ir tão longe para ter essa experiência? Por que dirigir cinco horas de Claremont ao Vale da Morte?

Wade: A principal razão foi que Michael e eu tínhamos tido muitas viagens maravilhosas no deserto. No Vale da Morte, muitas vezes, e também no Mojave, em Joshua Tree. Se você toma LSD clínico e está em um lugar como o Vale da Morte, você pode ouvir progressões harmônicas, como em Chopin; é a música mais gloriosa que você jamais ouviu, e ela te ensina que há mais.

Boom: Até recentemente, a própria ideia da década de 1970 de, como você colocou em seu manuscrito4, um “elixir mágico” para expandir a consciência, era tão fora de moda quanto ridícula. Mas a pesquisa atual colocou essa intensa rejeição da experiência psicodélica em questão5.

Wade: E já não era sem tempo! [Durante essas viagens] eu vi o firmamento como realmente é, em todas as suas cores e formas gloriosas, e também ouvi os ecos do bigbang, que soa como um coro de anjos, que é o que os antigos pensavam que era.

Boom: Então você quis dar LSD para Foucault para que ele pudesse ter acesso a essa “música gloriosa”?

Wade: Não só isso. Era 1975, claro, e As Palavras e as Coisas havia sido publicado há quase uma década (publicado em 1966, em francês). As Palavras e as Coisas trata da finitude do homem, de sua morte inevitável, bem como da morte da humanidade, argumentando que todo o humanismo do Renascimento já não é viável. A ponto de dizer que o rosto do homem foi apagado.

Boom: Há a famosa passagem no final de As Palavras e as Coisas, postulando um mundo sem as estruturas de poder do Iluminismo: “Se essas disposições viessem a desaparecer… então se pode apostar que o homem se desvaneceria, como, na orla do mar, um rosto de areia”6.

Wade: Eu pensei, se eu der LSD clínico para Foucault, tenho certeza que ele perceberia que é prematuro em destruir nossa humanidade e a mente tal como as conhecemos agora, porque ele verá que existem formas de conhecimento além da ciência, e por causa do tema da morte em seu pensamento até aquele ponto. A tremenda ênfase na finitude, finitude, finitude reduz nossa esperança.

Boom: Então você levou Foucault ao Vale da Morte para uma espécie de renascimento, em certo sentido?

Waden: Exatamente. Foi uma experiência transcendental para Foucault. Ele nos escreveu alguns meses depois que foi a maior experiência de sua vida e que mudou profundamente sua vida e seu trabalho.

Boom: No momento desta viagem, Foucault acabava de publicar o primeiro dos seis volumes planejados para sua obra História da Sexualidade. Ele também publicou um esboço do resto da obra e, aparentemente, já havia terminado de escrever diversos volumes dela. Então, quando essa mudança pós-Vale da Morte se tornou evidente em seu trabalho?

Waden: Imediatamente. Ele nos escreveu que havia jogado os volumes dois e três de sua História da Sexualidade no fogo e que tinha que começar a escrever tudo de novo. Se isso foi só uma maneira de falar, eu não sei, mas ele destruiu pelo menos alguma versão deles e então os reescreveu antes de sua morte prematura em 1984. Os títulos desses dois últimos livros são emblemáticos do impacto que essa experiência teve sobre ele: O Uso dos Prazeres e O Cuidado de Si, sem qualquer menção à finitude. Tudo depois dessa experiência de 1975 é o novo Foucault, neo-Foucault. De repente, ele estava fazendo declarações que chocaram a intelligentsia francesa7.

Boom: Tais como…

Wade: Declarações mais confiantes em público, como a de que ele finalmente havia percebido quem era o verdadeiro Colombo da política: Jeremy Bentham. Jeremy Bentham tinha sido, por aquela época, uma figura muito respeitada, e Foucault começou a ver nele um vilão intelectual. E Foucault nega Marx e Engels, e diz que devemos ver Marx apenas como um excelente jornalista, não como teórico. E todas as coisas em que Foucault estava avançando foram reforçadas após a viagem ao Vale da Morte. O Foucault de 1975 a 1984 foi um novo ser8.

Boom: Você mencionou que algumas pessoas discordaram de sua experiência e acharam que você estava sendo negligente com o bem-estar de Foucault.

Wade: Muitos acadêmicos foram bem negativos neste ponto, dizendo que aquilo era interferir na mente de uma grande pessoa. Que eu não deveria mexer com sua mente. Mas Foucault estava bem ciente daquilo em que estava se envolvendo, e estávamos com ele o tempo todo.

Boom: Você pensou na repercussão que essa experiência teria em sua carreira?

Wade: Em retrospectiva, eu deveria ter pensado9.

Boom: Essa foi uma experiência única? Você viu Foucault novamente?

Wade: Sim, Foucault nos visitou novamente. Pouco depois, em sua segunda visita, que foi duas semanas depois dessa, nós ficamos nas montanhas – foi uma experiência de montanha.

Boom: Também com música e LSD?

Waden: Sem LSD, mas com todo o resto. Depois que ele foi embora na segunda vez, sentei e escrevi um relado da experiência chamado Death Valley Trip. Nunca foi publicado. Foucault o leu. Tivemos uma correspondência robusta. E então passamos um tempo fantástico com ele novamente em 1981, quando ele estava em uma conferência na Universidade do Sul da Califórnia.

Boom: Você guardou as cartas de Foucault?

Waden: Sim, cerca de vinte delas. A última foi escrita em 1984. Ele perguntava se poderia morar conosco em Silverlake, pois estava sofrendo de uma doença terminal. Eu acho que ele queria morrer como Huxley10. Eu disse que sim, claro. Infelizmente, antes que ele estivesse pronto para viajar, o alçapão da história o surpreendeu11.

Heather Dundas é candidata ao doutorado em Literatura e Escrita Criativa na Universidade do Sul da Califórnia. www.heatherdundas.com.

_________________________________ Notas

O editor deseja agradecer a Stuart Elden, professor de Teoria Política e Geografia, Política e Estudos Internacionais da Universidade de Warwick, e autor de Foucault’s Last Decade (“A Última Década de Foucault”) e Foucault: The Birth of Power (“Foucault: O Nascimento do Poder”) (Polity Press) por esclarecer uma série de questões factuais nesta entrevista. Obrigado também a Jonathan Simon.

1James Turrell, Cratera Roden, http://rodencrater.com/

2Nota do editor: Segundo Stuart Elden, “Foucault era muito mais próximo de Jean Barraqué, com quem ele tinha amizade e, por algum tempo, um relacionamento. Barraqué foi um outro compositor modernista significativo e pode ser a ele que se referem [aqui]” (correspondência por e-mail, 29 de agosto de 2017).

3“… como os sumérios, que inventaram tudo, incluindo a escrita, e os essênios, que inventaram o cristianismo”. O pensamento de Wade se alinha com as teorias de John Allegro, apresentadas em The Sacred Mushroom and the Cross (Londres: Hodder & Stoughton, Ltd., 1070). A maioria dos acadêmicos rejeitou o livro de Allegro imediatamente. No entanto, o livro foi reeditado em 2008 com um apêndice do professor Carl Ruck, da Universidade de Boston, descrevendo a longa controvérsia dos cogumelos.

4Simeon Wade, Michel Foucault in Death Valley, manuscrito inédito.

5A recente explosão de pesquisas sobre o LSD e seus efeitos é muito vasta para este documento, mas algumas publicações notáveis incluem Robin L. Carhart-Harris et al., “Neural correlates of the LSD experience revealed by multimodal neuroimaging,” PNAS 113 (2016): 4853-4858; Stephen Ross et al., “Rapid and sustained symptom reduction following psilocybin treatment for anxiety and depression in patients with life-threatening cancer: a randomized controlled trial,” Journal of Psychopharmacology 30 (2016): 1165–1180; Felix Mueller et al., “Acute effects of lysergic acid diethylamide (LSD) on amygdala activity during processing of fearful stimuli in healthy subjects,” Translational Psychiatry (April 2017).

6Michel foucault, As Palavras e as Coisas: Uma Arqueologia das Ciências Humanas (São Paulo, Livraria Martins Fontes, Ltda., 2000), 536.

7Nota do editor: os volumes 2 e 3 publicados foram escritos num roteiro completamente diferente do original, vários anos depois e com um conteúdo completamente diferente. Portanto, a afirmação de que ele os destruiu e depois reescreveu é contestável. Além disso, o roteiro original do volume 2 era uma discussão sobre o cristianismo, que foi reescrito e, ainda, foi também reformatado mais tarde para publicação no que será o volume 4 do projeto. De acordo com Stuart Elden, a publicação deste volume em francês está programada para 2018 pela Gallimard.

8Foucault discute as mudanças em seu pensamento e sua escrita em entrevistas realizadas em 1984, já no final de sua vida. Ver “A Ética do Cuidado de Si como Prática da Liberdade”, “Uma Estética da Existência”, “O Cuidado com a Verdade” e “O Retorno da Moral”. Nota do editor: Surveiller et punir: Naissance de la prison (Vigiar e Punir: Nascimento das Prisões) foi publicado em francês em fevereiro de 1975 e, portanto, sendo a viagem ao Vale da Morte em junho de 1975, é impossível que esse evento posterior tenha influenciado a leitura que Foucault fez de Bentham, etc, uma vez que as críticas são apresentadas em Surveiller et Punir, cuja tradução em inglês, sob o título Discipline and Punish: The Birth of the Prison não foi publicada até 1977. O editor deseja agradecer a Stuart Elden pelo esclarecimento sobre este ponto.

9Simeon Wade deixou a Claremont Graduate School em 1977. Após ser professor adjunto de História e História da Arte em várias universidades, obteve uma licença de enfermagem e passou o resto de sua vida profissional como enfermeiro psiquiátrico no Hospital Psiquiátrico do Condado de Los Angeles e como enfermeiro psiquiátrico supervisor no Hospital Psiquiátrico do Condado de Ventura.

10O romancista Aldous Huxley pediu a sua esposa que lhe injetasse LSD quando estava morrendo em 22 de dezembro de 1963. . http://www.lettersofnote.com/2010/03/most-beautiful-death.html

11Michel Foucault morreu em Paris, no dia 25 de junho de 1984, aos 57 anos. Simeon Wade e Michael Stoneman ficaram juntos até a morte de Stoneman em 1998. Wade agora é aposentado e vive em Oxnard, Califórnia, onde escreve e toca piano.

O Padroeiro da AAAZ

“NAN CHI  HSIEN WÊNG, o velho imortal do Polo Sul é o Papai Noel taoista; ele monta uma rena e concede vida longa & felicidade. Seus meninos carregam os pêssegos da imortalidade & cogumelos ling-chih. Ele é o padroeiro da AAAZ, e protegerá todos os viajantes astrais na área que invocarem seu auxílio”

[Da convocação para a Convenção Astral de 1987]

AAAZ – Um Convite

O passado de Hakim Bey como funcionário do regime de Reza Pahlevi não cheira lá muito bem. E hoje a patota da Igreja Ortodoxa Moura [Moorish Orthodox Church/MOC], – ou parte dela, pelo menos – se dedica à defesa apaixonada dos jihadistas e mercenários do Exército Livre Sírio e seu entorno salafiwahabista que, é público e notório, foram nutridos desde o berço pela CIA. Mas enfim… Para quem, por sua conta e risco, quiser se aventurar, segue um convite da ortodoxia moura para um evento no astral, na madrugada de 02 de setembro. [Os textos originais estão aqui e aqui]

30º Aniversário da AAAZ

Há 30 anos, o escritor anarquista Hakim Bey lançou um apelo às várias conexões que tinha na cena de zines dos anos 80 para que se juntassem a ele em uma convenção astral em um local sagrado. A localização escolhida foi um do templo astral à Lua localizado no Cabo Longing, na Antátida (no extremo sul do Canal Príncipe Gustavo, na margem norte da plataforma de gelo Larsen, na costa do Mar de Wendell).

Convites foram enviados encorajando a todos a se projetar ou sonhar em direção à região polar entre 31/08 e 01/09 por uma hora ou mais, registrar suas experiências e depois enviá-las a ele em forma de cartas, relatórios de campo, colagens, discursos, etc. Este material foi reunido e então publicado de forma privada e enviado aos participantes. Dizem que mais de 100 pessoas participaram e, destas, cerca de cinquenta contribuíram com o “Registro Akáshico” resultante.

O que realmente torna o evento tão maravilhoso e valioso para a história do ocultismo e para a cultura alternativa foi que, fora o evento no astral, tudo foi organizado e compilado via correio.

Então, aqui estamos nós na estrada, 30 anos depois, e o Templo Lunar do Cabo Longing nos acena uma vez mais para ser visitado. É hora de desdobrar seus tapetes mágicos, lubrificar suas vassouras, riscar o círculo e preparar o unguento. A Zona espera por nós!

Junte-se a nós no dia 02/09/2017, das 02:00 h do horário de Brasília (12 AM US Time Central) até as 06:00 h (4 AM US Time Central) na Zona Autônoma Astral Antártica [aka Astral Antarctic Autonomous Zone/ AAAZ]!

 

Pé na estrada!

A localização: “O Cabo Longing (64° 33’S 58° 50’W) é um cabo rochoso na costa leste da Terra de Graham, na Antártica, formando a extremidade sul de um grande promontório coberto de gelo que marca o lado oeste da entrada sul do Canal do Príncipe Gustavo. Ele foi descoberto pela Expedição Antártica Sueca liderada por Otto Nordenskjöld em 1902, e assim batizada por ele pois, visto de sua cabana de inverno na Ilha Snow Hill, o cabo situava-se na direção da ‘terra da ansiedade’ (‘land of longing’), que ele ansiava explorar.

O cabo Longing é a ponta da Península de Longing, que tem 9 milhas náuticas (17 km) de comprimento e situa-se no extremo noroeste da Costa de Nordenskjöld, onde a Plataforma de Gelo Larsen se separa da Plataforma de Gelo do Príncipe Gustavo. Foi mapeado por alto por Nordenskjöld e batizado como cabo pelo Comitê de Nomes de Lugar Antárticos do Reino Unido (UK-APC) após o trabalho geológico do Serviço Antártico Britânico na área em 1987-88.

A Passagem de Longing (64° 25’S 58° 57’W) é uma constrição do promontório norte do Cabo Longing, onde a terra se estreita pra 2 milhas náuticas (4 km) e forma um istmo baixo. A fenda é usada para evitar o longo desvio em torno do cabo. Ela foi mapeada em pesquisas do Serviço das Dependências das Ilhas Falklands em 1960-61 e batizada em associação com o cabo”.

O templo: Cerca de uma semana antes do evento, visitarei a AAAZ para certificar-me de que o transmissor ainda está em boas condições de funcionamento.

Há ali um minarete de cristal que transmitirá (pode ainda transmitir) um feixe de sinal de luz espectral azul misteriosa.

Ao lado do farol está construído um edifício de nove lados coberto por uma ampla cúpula de vidro. Abaixo da cúpula está um exuberante jardim dos prazeres. Dentro do prédio propriamente dito há um pátio central com duas fileiras de 5 colunas de pórfiro.

Além de cada colunata há um conjunto de escadas que conduzem a um patamar que pode ser visto do pátio. Neste patamar está um estrado que suporta duas colunas, uma preta, a outra prateada. Entre elas há um véu lavanda-prateado além do qual está a 13ª coluna, composta de puro luar.

O acesso aos jardins acima vai variar para cada peregrino.

“Tropas transgênero” deve ser um oximoro

E eis que o tranqueira Donald Trump proibiu a presença de gentes trans nas gloriosas forças armadas dos gloriosos Estados Unidos da América, essas instituições tão benfazejas para os povos deste planeta. E, só pra variar, vemos o escândalo que tal notícia provocou em gente progressista do mundo todo, que agora grita e esperneia contra mais essa aberração trumpeana. Pra clarear um pouco azideia das mana, resgatamos de um blogue morto um texto de Mattilda Bernstein Sycamore, traduzido e postado no ano passado pelas macacas idosas do Instituto Geriátrico Puerco Suíno. Mantivemos também a eloquente introdução das macacas, que são velhinhas mas sabem das coisas. Siliga:

Do blogue das Macacas Idosas, no dia 30/06/2016:

No começo do mês azamiga progressistas, essas que nas manifestações sempre gritam “não acabou, tem que acabar…” quando chega a tropa de choque, compartilhavam por aí, felizes da vida, a matéria da Falha de Sumpaulo:

PM gaúcha libera, e soldado será o 1° gay a casar de farda em 178 anos

Ótimo, respondemos nosotras macacas senis, agora teremos a honra de ser esculachadas, torturadas e mortas por PMs orgulhosamente gueis e casados!

Essa agenda reacionária, parte do pacote LGBTTIQPQP imposto pelo Império, que prioriza a assimilação em instituições fundamentais para a manutenção do Heterocapitalismo – casamento, polícia, exército, igreja – é reproduzida acriticamente até por quem acha que está fazendo a revolução. E com muito orgulho, claro!

Vamos ler Mattilda Bernstein Sycamore, que é gringa e branca mas mostra com clareza o óbvio que azamiga cheias de orgulho não querem ver [o original tá aqui, num site “progressista”… tão progressista que alerta as eventuais piratas [nosotras, por exemplo] que seu material é copirraitado ui ui ui].

[Aproveitando a oportunidade, vai aqui uma homenagem do Instituto Geriátrico Puerco Suíno a duas guerreiras trans de verdade, Marsha P. Johnson & Sylvia Rivera: seremos eternamente gratas por seus coqueteis molotov, sisters!]

“TROPAS TRANSGÊNERO” DEVE SER UM OXÍMORO

Mattilda Bernstein Sycamore

No dia 01 de julho de 2016 o Pentágono anunciará uma suspensão da proibição de pessoas trans servirem abertamente nas Forças Armadas dos EUA, de acordo com um artigo do USA Today amplamente citado na mídia gay. Embora a notícia tenha sido saudada como uma vitória para os direitos trans, é difícil imaginar algo mais longe da verdade. Permitir que pessoas trans sirvam abertamente nas Forças Armadas dos EUA apenas promove a violência de uma das principais instituições de opressão global.

Não devemos nos esquecer que as Forças Armadas dos EUA atualmente estão bombardeando o Afeganistão, o Paquistão, a Síria, o Iraque, a Somália, o Iêmem e sabe-se lá quantos outros países ao redor do mundo. Não devemos nos esquecer que os EUA têm uma longa história de apoio a regimes despóticos, que atualmente vão da Arábia Saudita a Honduras, do Uzbequistão à Guiné Equatorial. Ouviu falar de um golpe militar em qualquer lugar do mundo? São altas as possibilidades de que os EUA o estejam apoiando. E não devemos nos esquecer que os EUA financiam a guerra israelense contra os palestinos, fornecendo também as armas. Não devemos nos esquecer que, depois de centenas de anos de genocídio contra os povos indígenas dentro de suas fronteiras ilegítimas, os EUA ainda tratam as terras nativas como lixões para resíduos perigosos. Não devemos nos esquecer que os trilhões de dólares que financiam as Forças Armadas dos EUA drenam recursos de literalmente tudo o que importa neste país, de educação e saúde a habitação e assistência social.

Nos EUA as pessoas trans são rotineiramente expulsas de suas famílias de origem, assediadas na escola e no trabalho, perseguidas por líderes religiosos e políticos, e atacadas nas ruas simplesmente porque se atrevem a existir. Pessoas trans muitas vezes têm negado o acesso a serviços básicos como moradia e saúde, são demitidas de seus empregos ou nunca são contratadas, e forçadas a fugir dos lugares onde cresceram, simplesmente para sobreviver. As mulheres trans, em particular as mulheres trans não-brancas, têm um índice assustador de assassinatos brutais. Nos poucos lugares públicos que mulheres trans e dissidentes de gênero criaram para sobreviver, enfrenta-se o assédio diário das forças de segurança pública e demais agressores, sendo muitas vezes presas pelo crime de lutar pela própria sobrevivência, onde a perseguição e a brutalidade frequentemente se agravam.


O que, então, o fim da proibição de pessoas trans servirem abertamente as Forças Armadas dos EUA beneficia? Mais do mesmo: guerra sem fim, pilhagem dos recursos indígenas nos EUA e no exterior, e uma orientação militarista que vê as pessoas oprimidas como bucha de canhão para o imperialismo dos Estados Unidos. Também serviria para a manutenção da violência antitrans nos EUA, onde o crescimento da legislação transfóbica agora significa que até o uso do banheiro que corresponde a sua identidade de gênero está sujeito a um sensacional debate nacional.

Não é nenhuma surpresa que tanto a Human Rights Campaign (HRC) quanto a National LGBTQ Task Force, os dois maiores grupos de lobby LGBT do país, imediatamente festejaram a notícia de que o Pentágono em breve iria acolher soldados trans. Estas duas organizações vêm liderado a guinada conservadora na política LGBT ao longo das últimas décadas, que ficou mais perceptível no início da década de 1990, quando a inclusão de gays nas Forças Armadas dos EUA se tornou a questão central para a luta do establishment gay. O status quo militarista na política LGBT tornou-se mais pronunciado à medida em que a agenda do mainstream LGBT centrou-se no acesso ao casamento como o único meio para se obter recursos básicos que deveriam estar disponíveis a todas as pessoas, como moradia, saúde e o direito de permanecer neste país (ou deixá-lo) se você assim o quiser. Mesmo quando se fala de violência antigay e antitrans, um problema que sem dúvida afeta mais gente queer e trans, os LGBT que detêm poder pedem o fortalecimento do sistema legal racista, classista, misógino e homofóbico através de leis de crimes de ódio.

Na verdade, o sucesso dos objetivos do establishment gay não é o contraponto ao aumento das leis transfóbicas, é parte de sua causa. O movimento pelo casamento gay/inclusão militar excluiu sistematicamente qualquer pessoa que não seja aceitável o suficiente para a Fox News, de modo a obter direitos apenas para quem se dispuser – e for capaz de – se adaptar às normas da classe média branca hétero. Esqueça a luta por acesso universal às necessidades básicas – vamos apenas enfocar a isenção de impostos e os direitos de herança para os ricos. Esqueça as pessoas trans, as não-brancas, as pobres, sem-teto, deficientes, gente com HIV/AIDS, jovens, idosas. Esqueça migrantes de todos os tipos – não apenas quem vem de outros países, mas também queers que fogem de cidades e vilarejos dos Estados Unidos onde ainda não podem viver suas vidas sem medo.

Organizações como a HRC e a LGBTQ Task Force não são parte da solução para a transfobia; são parte do problema. Que alguns gays (e umas poucas pessoas trans) agora se beneficiem com a participação em intituições de opressão (voluntária ou involuntariamente) não significa que essas instituições tenham mudado. Significa que essas instituições mudaram a política gay, queer e trans, despolitizando uma geração inteira, fazendo com que todas nós sofrêssemos as consequências.

Em 2011 o Pentágono autorizou formalmente que soldados gays servissem abertamente seu país, bombardeando e oprimindo gente pobre não-branca ao redor do mundo, e, em 2015, a Suprema Corte derrubou as proibições ao casamento gay. Estas decisões foram as conquistas máximas do establishment gay, e depois que se tornaram lei muitos gays da elite sugeriram que o fim do movimento LGBT havia chegado. O que mais poderia ser necessário, afinal de contas, uma vez que os gays ricos obtiveram o mesmo poder para proteger seu patrimônio que seus pares hétero?

O quão longe chegamos dos objetivos originais da libertação gay surgida nas décadas de 1960 e 1970 – o fim do estado opressor, da religião organizada e da família nuclear; a rejeição da guerra, do racismo, da supremacia branca e do imperialismo; e uma redefinição fundamental das relações para além da monogamia obrigatória e do puritanismo sexual. Enquanto “Poder Gay” foi uma das palavras de ordem originais desse movimento, poder gay hoje significa acesso a todos os meios do Estado para oprimir e marginalizar ainda mais qualquer pessoa que esteja no caminho da gentrificação, o consumismo acrítico e a assimilação aos privilégios hétero.

Embora tenha havido por muito tempo uma divisão de classes na política gay e queer, as pessoas trans foram esmagadoramente forçadas à marginalidade. Mas agora nós até vemos o surgimento de uma elite trans – na verdade, foi a veterana militar Jennifer Pritzker, descrita como a primeira trans bilionária, cuja notória fortuna familiar é feita em cima da especulação imobiliária e de informações privilegiadas, quem impulsionou a luta pela inclusão trans nas Forças Armadas dos EUA. Em 2013 Pritzker deu US$ 1,35 milhões para o Palm Center, que então criou a Transgender Military Service Initiative, e de repente uma questão até então pouco comentada reivindicou as manchetes nacionais.

Por décadas o establishment gay tem sido dominado pela agenda dos ricos, que vê a identidade como um fim. “Gay” torna-se simplesmente uma outra forma de enfeitar toda instituição hipócrita hedionda, camuflando sua violência – casamento gay, gays nas forças armadas, policiais gay, padres gays, o que mais? Oh, vamos fazer as pessoas trans se misturarem – nos diz o establishment gay, depois de empurrar as pessoas trans para fora de um movimento que elas mesmas começaram (lembram-se da Rebelião de Stonewall em 1969, considerado o início do movimento LGBT dos dias atuais – quando mulheres trans não-brancas, travestis de rua, sapatonas machudas, michês e, sim, até algumas gays e lésbicas “respeitáveis”, lutaram contra a polícia pelo controle de corpos e vidas queer?).

Após o anúncio de 01 de julho de 2016, de que o Pentágono permitirá pessoas transgênero nas Forças Armadas dos EUA, cada ramo das Forças Armadas terá um ano para implementar a mudança de política. Isso com certeza dará origem a debates intermináveis na mídia sobre os corpos e as vidas trans. Enquanto políticos, especialistas, demagogos e “experts” de todo o limitado espectro político permitido nos fórums públicos debatem qual corpo é permitido onde, e qual tipo de transição de gênero será suficiente o bastante para quais fadigas de frente de batalha, estarão na realidade gerando mais transfobia em vez de afrontá-la. E, como no debate sobre o casamento gay, este espetáculo público hipócrita servirá de camuflagem para a continuação da mesma política externa militarista devastadora, a mesma agressividade perversa em casa e no exterior.

Em breve pessoas trans poderão servir abertamente seu país apertando botões em Nevada para destruir aldeias paquistanesas, ou voando em países ao redor do mundo a fim de apoiar tiranias. Transgênero, assim como gay ou LGBT, vai se tornar um outro apêndice para legitimar o terror de estado. Isso não é progresso – tornar-se parte da violência apenas gera mais violência. Precisamos voltar aos objetivos originais da libertação gay, trans e queer – o fim do controle do estado policial sobre os corpos e as vidas queer e trans; libertação sexual, social, política e de gênero, não só para queers mas para todas as pessoas, nos EUA e em todo o mundo.

Vamos pressionar pelo fim das Forças Armadas dos EUA e sua agenda imperialista e sanguinária – ou, pelo menos, por cortes drásticos nos recursos que lhes são destinados. Caso contrário, as profundas mudanças estruturais que necessitamos neste país nunca serão possíveis.